A frase, dita pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, após o final da Cimeira do Clima dá conta do desapontamento de todos os que trabalharam para que a COP27 selasse compromissos concretos e sérios que permitissem manter o aumento do aquecimento global em 1,50 Celsius acima da média da era pré-industrial.
Timmermans podia ter sido mais enfático, poderia ter dito “o mundo percebeu que não pode confiar em nós”, ou ter glosado o secretário-geral da ONU, António Guterres, para dizer “estamos numa autoestrada rumo ao inferno e nesta Cimeira carregámos a fundo no acelerador” [ver 7MARGENS].
E com isto teria dito o essencial: a COP27 foi mais um passo de gigante para aprofundar a catástrofe climática e ambiental em que vivemos.
Perante os sucessivos relatórios científicos que nos últimos anos têm vindo a alertar para os efeitos devastadores do aumento da temperatura média do planeta (que já cresceu mais de 10 Celsius em relação à média das últimas cinco décadas do séc. XIX) na redução da biodiversidade, na subida do nível dos oceanos e na multiplicação de fenómenos ambientais catastróficos, os negacionistas têm vindo a perder voz e palco. Toda a gente sabe que já não temos tempo para garantir a meta ambiciosa da Cimeira do Clima de Paris de 2015 (crescimento de 1,50 Celsius) sem medidas dramáticas (nos próximos sete anos, reduzir em 45% as emissões de CO2 de hoje). E que estamos perante aumentos irreversíveis. Não há forma razoável de reduzir o aquecimento. O que está na nossa mão é apenas parar o seu aumento.
Sabendo tudo isto e conhecendo as medidas que podem tirar-nos do caminho suicida que estamos a trilhar, por que razão nada de significativo foi acordado ao fim de duas semanas de conversações entre presidentes e chefes de Estado de tantos países, peritos, ativistas e lobistas reunidos em Sharm-el-Sheik (Egito)? As razões são múltiplas e de níveis diferentes e não se podem resumir à impressionante força do lóbi dos combustíveis fósseis.
No mundo ocidental e nas três potências cada vez mais unidas [Rússia-Índia-China], a guerra na Ucrânia atira com todas as outras questões para um plano secundário. A necessidade de fornecer fontes de calor aos cidadãos privados do gás russo atirou com o debate sobre o fim do recurso aos combustíveis fósseis para debaixo do tapete. A depressão em que as principais economias mundiais entraram ou temem entrar, conjugada com tensões inflacionárias em valores que se pensavam ultrapassados impedem a concretização de medidas de defesa do ambiente com custos para as empresas. Tudo isto justifica que nenhum passo sério se tenha dado para parar a exploração e o uso dos combustíveis fósseis altamente poluentes (de imediato, o carvão e de seguida, o petróleo e o gás).
Pressionar líderes e governantes para salvar o planeta
As circunstâncias não são favoráveis a decisões de indiscutível impacte. Nunca o serão. Se o tivessem sido, se o fossem, ou se o vierem a ser, o planeta não estaria perigosamente ameaçado de perder definitivamente o seu carácter azul amigo da vida. As circunstâncias estarão sempre contra uma ação decidida no campo da sustentabilidade do planeta e da defesa do ambiente. O que pode mudar é o grau de exigências dos cidadãos para que algo de decisivo se faça neste domínio, a pressão que possam conseguir exercer sobre os seus representantes políticos e outros líderes.
Movimento que, como se viu agora no Egito, apenas consegue exprimir-se nos países de regime democrático avançado. Mas nestes, se foi reduzido o campo de afirmação dos negacionistas, mantém-se uma maioria de cidadãos indiferentes, indecisos e expectantes não disponíveis para encarar de frente o que terão de alterar nos seus consumos e comportamentos. Acresce que, tal como todas as grandes questões societárias contemporâneas, também a defesa do ambiente deixa de ser tema consensual ao ser atropelada pelos discursos de confrontação e de rutura irreconciliável dos que pretendem criar um ambiente de irredutível divisão entre cidadãos.
Não estão aqui em causa as iniciativas que recorrem a formas de protesto mais impactantes para chamar a atenção sobre a necessidade de medidas corajosas para acudir à catástrofe ambiental. Devemos a essas ações o não nos deitarmos a dormir enquanto o planeta morre. O que pode destruir o fraco e frágil consenso sobre o tema do clima são os movimentos que, para existirem e se afirmarem, sempre se socorrem de colocar no centro de todas as questões a irredutível diferença entre “nós e “eles”. Crescendo na medida em que destroem consensos, também sobre a questão do clima são capazes de imaginarem e propagandearem “teorias da conspiração”, “informação falsa” e “linhas vermelhas” onde antes não existiam.
A ausência de movimentos de pressão eficaz – pelo número de cidadãos envolvidos, pela sua constância ou pelo impacte provocado – sobre governantes e líderes e a ausência de transformações radicais no comportamento e hábitos de consumo dos cidadãos permitiram que de Sharm-el-Sheik nada resultasse para além de uma tímida promessa de constituição de um fundo financeiro para regular “perdas e danos”.
Fundo criado para determinar quanto devem os países mais ricos pagar aos países mais pobres pelos custos que estes têm de suportar pelas alterações climáticas decorrentes das emissões de gases com efeito de estufa com origem nos primeiros. Mas nada se avançou na determinação de como definir o valor de tais pagamentos, nem que países teriam condições para dele sacarem fundos. Promessas vagas a juntar a promessas anteriormente não materializadas. Os povos do “Sul Global” nada têm para agradecer aos atores da COP27. Nem o planeta. Nem a opinião pública esclarecida das democracias ocidentais. As petrolíferas e outras empresas altamente poluentes, pelo contrário, respiram, agradecidas, de alívio. Tal como os utilizadores intensivos do automóvel individual.