
Uma pandemia que nunca mais acaba. Foto © Direitos Reservados
Eu não queria falar de covid, mas o raio do bicho não nos dá descanso. Ora por aqui, ora por ali, ora a subir, ora a descer, ora mais casos, ora menos casos, ora nos velhinhos, ora nas crianças, ora nos lares, ora nas escolas, ora com vacinas, ora com testes, ora com máscaras, ora sem máscaras, ora confinados, ora certificados, não há meio de isto nos desamparar a loja, como diz o povo. Claro que há mais vida para além do vírus, mas no momento não se vê muita vida que não esteja direta ou indiretamente ligada ao assunto. Tudo. À nossa volta. Pertinho de nós. Muito pertinho. Muuuuuito pertinho mesmo. Provavelmente já na nossa própria casa – ou a chegar, a chegar, a chegar… Já cansa, claro. Mas, por outro lado, quase não há conversa que não lhe chegue às canelas. E não há grande volta a dar. Portanto, se não podes batê-lo, olha para ele e procura alguma coisa com uns pozinhos de originalidade. Por exemplo:
- Sobre isolamentos
O arquipélago de Tonga tem um dilema terrível. A erupção recente de um vulcão no mar ali ao pé, a que se seguiu um tsunami, lançou uma onda de devastação em todas as suas ilhas. Casas destruídas, ruas inundadas, comunicações em baixo, e muitos centímetros de poeira negra a cobrir tudo em volta, casas, campos, estradas, praias, tudo. Uma enorme desgraça a requerer auxílio internacional urgente. Só que… Só que a pandemia do coronavírus parece que, a bem dizer, não chegou a Tonga. Até agora apenas foi detetado um caso (sim, um caso!) no passado mês de outubro. É uma situação privilegiada que a população residente gostaria, naturalmente, de ir preservando. Portanto, agradece-se ajuda internacional, e rapidamente, mas não se quer receber ninguém no arquipélago, com receio de que alguém possa levar para lá o vírus. Situação tramada, não é?
E esta situação é bem elucidativa das tristes consequências deste raio desta pandemia, mesmo para quem não foi contagiado pelo vírus. Para viver assim, sem vírus, há que viver isolado, sem gente. A ajuda humanitária vai chegar a Tonga, mas só material: vai um avião, ninguém se aproxima sequer dele, descarregam-se caixas e sacos e o mais que seja, volta tudo lá para dentro e há que descolar rapidamente. Dizendo “adeus” ao longe – e que a ajuda ajude. Era bom que também fossem até lá algumas pessoas, que o auxílio humanitário costuma ser isso mesmo, humanitário. Mas não. É natural o medo de quem lá mora. Para mais numa altura em que, não tendo sofrido a desgraça da pandemia, se sofreu a desgraça da erupção vulcânica e do tsunami. Mas para continuar assim, as ilhas de Tonga têm de continuar fechadas. Ninguém lá pode entrar. E ninguém de lá pode sair, sob pena de não poder regressar. E vive-se assim? Sozinhos, sempre, numa ilha no meio do Pacífico? De facto, há isolamentos e isolamentos. Dramas e dramas. Solidões e solidões.
- Sobre amabilidades
“Be kind to one another.” Sejam simpáticos uns com os outros. Sejam amáveis umas com as outras (em inglês é bem mais fácil resolver estas questões de género na linguagem… Adiante!).
“Sejam simpáticos uns com os outros e lutem contra este vírus, e não uns contra os outros.” É este o conselho premente, sereno mas insistente, que nos dá uma responsável da Organização Mundial de Saúde, de seu nome Maria Van Kerkhove. Podemos ouvi-la aqui.
The trajectory of the pandemic is in our hands. It has always been in our hands. What happens now & into 2022 is up to us.
Collectively, we can end the #COVID19 pandemic through action. It’s up to all of us. We can save lives now. We must.@WHO @DrTedros @DrMikeRyan @gabbystern pic.twitter.com/UmCqGPaMD6
— Maria Van Kerkhove (@mvankerkhove) November 7, 2021
E que bom conselho que é, não é? Se já não tivéssemos suficientes motivos de preocupação e de tristeza por nos ter saído ao caminho esta pandemia, ainda assistimos com espantosa frequência a insultos, a queixas, a protestos, a recriminações, a zangas, a agressões verbais ou não verbais… Ora porque há medidas a mais, ora porque há medidas a menos, ora porque vacinas sim, ora porque vacinas não, ora porque isto, ora porque aquilo… Como se isto tocasse a uns e não a outros. Como se isto fosse assunto de uns e não de outros. Como se não estivéssemos todos irremediavelmente ligados por isto, ligados nisto, por muito que nos custe.
Lá diz a técnica da OMS:
“Sejam simpáticas umas com as outras e lutem contra o vírus, e não uns contra os outros, porque nós estamos juntos nisto (…). Precisamos que toda a gente faça a sua parte. (…) Temos de saber que podemos fazer alguma coisa para nos irmos aproximando do fim desta situação horrível”. Podemos fazer o quê? Muita coisa, claro. A máscara, a vacina, o respeito, o cuidado, a calma… E podemos ser amáveis umas com as outras. Ser simpáticos uns com os outros. E a gentileza até nem custa dinheiro.
Este é outro exemplo de como este raio desta pandemia tem mexido fundo nas nossas vidas. As desgraças costumam aproximar-nos, tornar-nos mais solidários, mais preocupados com os vizinhos, com a noção de que estamos todos no mesmo barco e ninguém se salva sozinho, mas não falta por aí crispação, chatice, berro, azedume, incompreensão. Falta de paciência, claro. Receio. Ansiedade. Cansaço. Mas… já não nos chegava o vírus?…
- Conselho por conselho, em circunstâncias difíceis costumo abrigar-me neste, com a forma poética que lhe deu Manuel António Pina: “Não é ainda o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde.”