
“Quando dou a mão a um necessitado, a um doente, a um marginal, eu depois posso dar a mão a outras pessoas e, sem medo de contágio, tenho nojo da pobreza?”, perguntou o Papa no bairro da Serafina. Foto © JMJ Lisboa 2023.
Os óculos não funcionaram, mas Francisco não se atrapalhou. Até porque a mensagem que queria passar, naquele bairro “onde nem os polícias entravam”, não estava no papel, e sim “no espírito”: “Não existe amor abstrato, só amor concreto. O amor platónico está em órbita, não na realidade. O amor concreto é aquele que suja as mãos”, disse o Papa, olhos nos olhos com “os amigos do Centro Paroquial da Serafina, da Casa Família Ajuda de Berço e da Associação Acreditar” que ali se encontravam na manhã desta sexta-feira, 4 de agosto.
“E podemos perguntar-nos: e o amor que eu sinto por todos? É concreto ou abstrato?”, continuou. “Quando dou a mão a um necessitado, a um doente, a um marginal, eu depois posso dar a mão a outras pessoas e, sem medo de contágio, tenho nojo da pobreza? Ou estou sempre a procurar uma vida limpa, destilada?”, perguntou, insistindo: “Quantas vidas destiladas e inúteis que vivem sem deixar marca?”.
Não era o caso de muitos dos que estavam a escutá-lo, nomeadamente o padre Francisco Crespo, responsável pelo centro paroquial, que agradeceu ao Papa a sua vinda. “Este gesto ajuda-nos a fazer mais e melhor por aqueles que precisam do apoio e do amor de Cristo”, assegurou.
O também pároco recordou o dia em que ali chegou: “impressionou-me tanta manifestação de pobreza, mas, sobretudo, o olhar vazio dos idosos sentados nas ruas”. Esta sexta-feira, no entanto, o olhar dos muitos idosos, pessoas com deficiência, crianças e jovens presentes no centro – que atualmente dá resposta a 800 utentes – estava cheio: de alegria e gratidão.
O padre Francisco Crespo considera que a vida no bairro foi melhorando, com a ajuda de muitos, mas reconheceu que é preciso continuar com a “cultura do cuidado”, ou seja, valorizar “o pouco ou o muito que cada um pode dar para se sentir útil e integrado na comunidade”.
Aos olhos do Papa, mesmo sem óculos, este projeto é já “uma realidade que deixa marca, uma realidade de muitos anos que está a deixar uma marca que inspira os outros”. E por isso pediu especificamente para visitá-lo. Porque “não poderia existir uma JMJ se não tivéssemos em conta esta realidade, porque isto também é juventude”, explicou. “Vós gerais vida continuamente e isso é feito com o vosso compromisso, com o facto de sujarem as mãos e de gerar vida. Agradeço-vos de todo coração por isso. Continuem, não desanimem e, se desanimarem, bebam um copo de água e continuem”, concluiu.