“Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu,
e o principado está sobre os seus ombros,
e se chamará o seu nome:
Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte,
Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”
(Isaías 9:6).

“Portal Patera”, de Agustin de la Torre Zarazaga: “O Natal representa a dignificação da pessoa humana, independentemente da idade, do sexo, da etnia, da condição social, da educação, da religião ou da cultura.” Reprodução autorizada pelo autor.
Deus surge no palco da História de forma singular. Ele não apenas providenciou Salvação para a humanidade, mas o nascimento de Jesus é em si mesmo um acto de dignificação da família humana em diversas dimensões.
Desde logo há um sinal de reconhecimento da dignidade intrínseca da condição infantil. Deus ousa encarnar no ventre duma mulher simples do povo, e surgir perante o mundo assumindo a vulnerabilidade e fragilidade dum bebé recém-nascido. Se entre os mamíferos muitas crias mal nascem põem-se de pé e começam a correr e a mamar, pois um bebé humano está totalmente dependente dos pais para poder sobreviver. A sua dinâmica de desenvolvimento é muito mais lenta e não lhe permite que se firme nas pernas ou que se consiga alimentar por si logo que vem à luz.
Depois há também um sinal de dignificação da mulher e da maternidade. Embora a condição feminina no Antigo Israel fosse mais positiva do que nos povos contemporâneos da região, a verdade é que uma mulher israelita não poderia ir perante um juiz pedir justiça a não ser que fosse acompanhada por um homem. Na sociedade patriarcal a mulher não era dignificada como deveria pelo simples facto de ser mulher. Ao centrar o eixo da História numa mulher, Deus exalta todas as mulheres, assim como a função da maternidade que lhes é inerente.
Mas a dignificação da paternidade é igualmente uma marca do nascimento de Jesus. Mesmo não sendo o pai biológico, e até precisamente por isso, a figura de José assume uma importância ainda mais marcante neste contexto. Escritos extra-bíblicos sugerem que José seria viúvo quando casou com Maria, que era muito mais nova, e já teria filhos de um casamento anterior, mas de facto não sabemos se assim é.
Atendendo à importância social e simbólica da primogenitura entre os israelitas, José teria então um primogénito que não era sua semente nesta relação, o que terá criado uma dificuldade acrescida que ele terá sabido ultrapassar ao assumir uma paternidade em condições difíceis, mas que Deus igualmente honrou.
O evento de Belém representa ainda a dignificação da família enquanto projecto divino para a vida humana. Basta recordar o quadro do nascimento onde encontramos invariavelmente José, Maria e o Menino, assim como na viagem para o Egipto a fim de fugir à ira de Herodes.
Também não podemos esquecer a dignificação dos pobres e simples. Para escândalo do mundo, foram simples pastores de ovelhas que testemunharam ao mundo o maior evento da História. O evangelista Lucas diz que após o anúncio dos anjos eles foram “apressadamente” até Belém, e depois do encontro com o Menino foram eles que “divulgaram a palavra” de que finalmente tinha nascido o Messias de Israel e o Salvador do mundo.
Mas há que registar também a dignificação do estrangeiro, pois os astrónomos vindos do Oriente vieram a Jerusalém, e depois a Belém, ao encontro do rei dos judeus que havia nascido. Em face da viagem destes sábios, talvez estejamos aqui perante um dos primeiros movimentos de globalização de que tanto se fala hoje.
Finalmente podemos dizer que o nascimento de Jesus lançou ainda um sinal de dignificação da Humanidade em geral, tendo em conta o teor da mensagem dos anjos nas campinas de Belém. Isto é, a proclamação da paz através da boa vontade entre os homens é uma marca divina de que o mundo sempre necessitou e continua a ser actual.
Num mundo patriarcal, violento, sem paz, sem direitos humanos, o Natal representa a dignificação da pessoa humana, independentemente da idade, do sexo, da etnia, da condição social, da educação, da religião ou da cultura.
Celebremos o Natal em paz e no reconhecimento da dignidade que o nascimento de Jesus reconheceu a todos os seres humanos sem excepção, porque “Deus não faz acepção de pessoas” (Actos 10:34b).
José Brissos-Lino é director do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e director da revista teológica Ad Aeternum.