
Necessitam-se pessoas extravagantes. Imagem: Direitos reservados.
Necessitamos hoje, mais do que nunca, de pessoas extravagantes. Imagino que seja esse o desejo de muitas pessoas, extravagante na saúde, extravagante no seu bem-estar e na riqueza, extravagante até na felicidade. Nunca nos contentamos com o essencial, queremos sempre mais e mais. Persistimos ainda em ter os melhores carros, eletrodomésticos, computadores e telemóveis de última geração. Assim nos doutrinam, mesmo de uma maneira subtil, os tenebrosos mercados do capital: “esforcem-se, não desistam, vejam a vida das estrelas de Hollywood, das revistas cor-de-rosa, dos grandes jogadores de desporto, admirem e vejam como eles são extravagantes em tudo. Vocês também poderão vir a ser como um deles”. E assim vamos construindo sonhos, lutando, suando diariamente para alcançarmos metas que, realisticamente, são praticamente utópicas para a esmagadora maioria da população deste mundo, já com os seus recursos a arrebentar pelas costuras. Contra este estado de espírito compulsivo já o japonês Masanobu Fukuoka afirmava sabiamente de que “a extravagância do desejo é a condição fundamental que conduziu o mundo à sua difícil situação atual. Mais rápido que lento, excessivo em vez de insignificante, este progresso enganador está em relação direta com o iminente desmoronar da sociedade. (…) O Homem deve parar de permitir-se desejar a posse material e o ganho pessoal, e em vez disso, deve voltar-se para a tomada de consciência espiritual”. Mas não entendamos mal. Dentro de certos limites, não há mal algum em desejarmos uma saúde de ferro, uma casa rodeada de todos os confortos possíveis, de termos um bom emprego e de desejar um excelente salário. Mas o que nos dirá Jesus acerca da extravagância? Como Ele a entendia? Será que estaria alicerçada nesse conceito de satisfação individualista tão em voga nos dias que correm?
Façamos um breve excurso por esse Evangelho extraordinário que é o de São João. Encontramos nele várias passagens acerca de desejos e atos extravagantes de Jesus. Comecemos por esse extravagante milagre de transformar a água em vinho de primeira qualidade, note-se, seis talhas cheias de água preparadas para o ritualismo da purificação com cerca de oitenta a cento e vinte litros cada (Evangelho de João 2:1.11). Aqui, o que vemos é um Jesus que desvaloriza o legalismo imposto pelos religiosos, mas é extravagante na alegria, aqui simbolizada pelo bom e excelente vinho. Aquelas bodas, faz-nos lembrar aqui o soberbo livro dos Cantares de Salomão impregnado de amor e alegria, onde o amado deseja que a boca da amada seja como “vinho delicioso que desliza suavemente acariciando-o e escorrendo pelos seus lábios e dentes.”. Vemos de seguida Jesus mandar recolher doze cestos de sobras após a miraculosa transformação de cinco pães de cevada para milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças (João 6:1-15), simbolismo da Sua extravagante graça que jamais se poderá desperdiçar de maneira alguma. E depois temos também aquela maravilhosa passagem em que Jesus se deixa perfumar com um frasco cheio de perfume caríssimo da cabeça aos pés, de tal maneira que o seu belo odor impregnou totalmente o local onde se encontrava (João 12:1-3). Odor extravagante, a quem ninguém fica indiferente. Um judeu compreenderá a importantíssima do olfato, pois é através do nariz que é instilado o odor e hálito de Yahveh, verdadeiro sinal de vida. Jesus é aqui um verdadeiro extravagante de vida, vida que permanece eternamente e que instila através do Espírito na vida de todos nós. Jesus é assim a extravagância por excelência. Por último, e socorrendo-nos aqui da definição de parábola ou alegoria, não deixaremos de interpretar o próprio Senhor, como a parábola e revelação perfeita do Seu Pai (João 14:8-10). Se Jesus é extravagante na sua vida, através do Seu infinito amor e misericórdia para com todos, assim é o Seu e o nosso Pai.
Poderemos tirar desde já algumas conclusões. Necessitamos hoje, mais do que nunca, de pessoas extravagantes, mas à imagem de Jesus. Num mundo tão carente do amor e da graça de Deus, os verdadeiros discípulos de Jesus são aqueles que, vivendo e partilhando a vida de Jesus, são como agentes do Seu Reino que espalham extravagantemente as suas próprias vidas, à semelhança do seu Mestre. Contrapondo-se a uma cultura que tantas vezes nos abstrai daquilo que verdadeiramente nos identifica da marca do Seu discipulado, o que Jesus requereria de nós seria então uma vida extravagantemente abundante em generosidade, compaixão, perdão, misericórdia e amor. Não tenhamos dúvidas, houvera na vida dos discípulos de Jesus mais extravagâncias dessas, estaríamos hoje bem mais perto do mundo que Jesus tanto idealizava. Que venha a nós, tal como o Senhor ensinou-nos a orar, o Reino do nosso Pai, fazendo-se a Sua vontade aqui como é feita nos Céus.