
“A ideia de humildade e outras características das crianças são antagónicas ou incompatíveis com a arrogância com que as coisas da existência humana são muitas vezes tratadas, mesmo pelos que se dizem “príncipes” ou “doutores” da Salvação.” Ilustração: Jesus e as crianças, ícone ortodoxo
Desde o início do século XX, por impulso do darwinismo, a biologia e outras ciências construíram, ainda que de forma larvar e quase subterrânea em alguns casos, a ideia prevalecente de neotenia humana, como uma retenção de características juvenis entre adultos, de características transmitidas à descendência e do ser humano prematuro.
A esse legado morfológico nos seres humanos, supomos de complexidade distinta de outros animais, existe associada a ideia de possibilidade de desequilibro entre taxa de desenvolvimento somático e retenção de características juvenis num organismo adulto, ou pedomorfose.
Na literatura cristã, o tema da infância é pouco tratado, relativamente a outros temas como a mulher, mais profundamente mencionado.
O profeta Jeremias considerava-se uma criança ou jovem (Jer 1:6) incapaz de cumprir a missão de que o Senhor o estava a incumbir; Em Mateus (Mat 18:3-4 ) Jesus ensina que “devemos ser humildes como as crianças, para entrarmos no reino dos céus”, que “a elas pertence” relata Marcos (Mc 10:14).
É também em Jeremias que Deus revela ao profeta: Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses do seio de tua mãe, te consagrei, e te constituí profeta das nações (Jer 1:5).
Pela fé reconhecemos que Deus tem um plano para nós, caso o aceitemos.
Não faltam menções nas Santas Escrituras ao plano de Deus para as nossas vidas, que cumpre a cada crente reconhecer, na medida das suas competências ou dons, para exercer a sua missão, como uma vocação atribuída, como ensina Paulo nas suas epístolas (1 Coríntios, 12).
Essa revelação provém do Espírito e podemos cuidar dela, aprendendo e manifestando-a.
No entanto, mesmo reconhecendo a filiação em Deus, ao escolhermos mais a “imagem” do que a “semelhança”, na consciência e representação que temos d’Ele, a nossa história de vida é composta por recolhas passivas nas nossas experiências, na exploração activa do conhecimento a que temos acesso e na acumulação no tempo, porque se deixamos parte de nós naqueles que conhecemos eles também nos deixam a sua parte.
Por consequência, nesta perspectiva, existe uma pré-existência e uma realidade individual, formando a pessoa humana, que não se confundem nem se fundem e sobre a qual a revelação pelo Espírito ajuda a localizarmo-nos, a formar a nossa identidade, nesta complexidade em que fomos criados e nos desenvolvemos.
A ideia de humildade e outras características das crianças são antagónicas ou incompatíveis com a arrogância com que as coisas da existência humana são muitas vezes tratadas, mesmo pelos que se dizem “príncipes” ou “doutores” da Salvação.
Um equilíbrio na trilogia da natureza filial de Deus, do indivíduo e da consciência sábia, gera a verdadeira acção cristã sobre o mundo que devemos gerir e cuidar.
A condição de ser cristão é sublime, como a origem da palavra indica, é um processo de tornarmos a nossa pessoa e os outros em algo elevado, logo perto de a aproximar a Deus, ou como diz Paulo, de nos revestirmos em Cristo (Rom 13:14).
As obras, como a esmola ou caridade, a misericórdia de rogar ou ensinar, neste complexo de existência essencial, nem sempre carregam ou abrangem uma atitude interior de consciência de valor de elevação de si ou do outro, ficando por ser apenas um paliativo, que esconde a verdadeira miséria humana, tranquilizando quem as pratica, sem um plano maior e necessário criar, como cumprir a ideia que temos de “imagem de Deus”.
Alberto Teixeira é cristão ortodoxo