
A polícia da Nicarágua entrou em casa do bispo de Matagalpa e levou-o preso, juntamente com 8 colaboradores. Foto © Vatican Media
Pouco passava das 3h da madrugada da última sexta-feira, 19, as forças policiais que há mais de duas semanas cercavam a Cúria da diocese de Matagalpa, no norte da Nicarágua, irromperam pelo edifício e levaram o bispo Rolando Alvarez, vários padres e alguns leigos presos, enquanto sirenes e sinos alertavam para o que se estava a passar.
Numa escalada da pressão para silenciar a Igreja Católica, o governo da Nicarágua organizou uma caravana de oito veículos para transportar os detidos para Manágua, para interrogatório. Depois de um tempo em que se ignorou o seu paradeiro, soube-se que o prelado foi colocado em prisão domiciliária em Manágua e os restantes detidos se encontravam na prisão de El Chipote, que os militantes dos direitos humanos no país conhecem pelas torturas aplicadas a quem se opõe a Daniel Ortega e suas políticas.
Entretanto, o cardeal Brenes, arcebispo de Manágua, foi autorizado pelas autoridades a visitar o bispo, conforme comunicado da Polícia Nacional e confirmação da Arquidiocese de Manágua. Recorde-se que a Santa Sé não possui núncio apostólico naquele país da América Central, depois de Ortega ter considerado o titular do cargo “persona non grata”, em março deste ano de 2022.
Um outro comunicado policial datado de 5 de agosto último, referia que o bispo estava sob investigação por “tentar organizar grupos violentos, incitando-os a praticar atos de ódio contra a população, provocando um ambiente de caos e desordem, perturbando a paz e a harmonia na comunidade com o objetivo de desestabilizar o Estado nicaraguense, e atacando as autoridades constitucionais”.
Na informação divulgada esta sexta-feira, referia que tinha acabado de levar a cabo “uma operação que permitiu a recuperação da normalidade para os cidadãos e famílias de Matagalpa”. “Como persistiam as atividades desestabilizadoras e provocativas, era necessária a mencionada operação de ordem pública”, acrescentava o comunicado.
Uma informação recolhida localmente pelo jornal digital The Pillar, mas não confirmada, refere que durante as duas semanas em que o bispo e colaboradores estiveram cercados, o regime de Ortega tentou negociar com a Conferência Episcopal o exílio de Ronaldo Álvarez, em vez de o processar, mas que este se teria se recusado a deixar a Nicarágua.
De entre as numerosas tomadas de posição, quer de responsáveis religiosos quer políticos, regional e internacionalmente, destaca-se a que tomou esta sexta-feira o secretário-geral da ONU. António Guterres disse-se “muito preocupado” com a invasão da Cúria diocesana, em Matagalpa, bem como com outras medidas de coação tomadas recentemente pelas autoridades nicaraguenses. Apelou também ao governo de Daniel Ortega para que garanta “a proteção dos direitos humanos de todos os cidadãos, em particular os direitos universais de reunião pacífica, liberdade de associação, pensamento, consciência e religião”.
O Papa Francisco tem sido objeto de críticas contundentes nos media, pelo facto de se ter mantido em silêncio, particularmente nos últimos meses, perante medidas como a expulsão do núncio e das irmãs da Caridade, o silenciamento de boa parte dos media católicos e, agora, a prisão de padres e de um bispo.
Em declarações proferidas este sábado, 20, pelo secretário da Comissão Pontifícia para a América Latina, Rodrigo Guerra López, esse silêncio foi relativizado: o Papa mantém-se a seguir de perto a situação na Nicarágua, está a atuar, ainda que de forma discreta, atendendo à complexidade da situação e poderá a breve prazo – eventualmente já no Angelus deste domingo – dar um sinal da sua preocupação.
Como o 7MARGENS noticiou, o cerco a este bispo vem de há algum tempo e decorre de posições críticas de algumas políticas do governo sandinista. Rolando Alvarez chegou a desempenhar as funções de mediador, em nome da Igreja, das negociações entre o Governo e a oposição, na sequência das manifestações multitudinárias de 2018, que originaram numerosos mortos e feridos, mas foi obrigado a abandonar a função por Ortega o considerar parcial.
Mais tarde, sendo responsável do episcopado pelas comunicações sociais da Igreja, viu declarações públicas suas como bispo de Matagalpa serem retaliadas com o encerramento de várias rádios católicas. Mais recentemente, sentindo-se perseguido por milícias pró-governamentais, encerrou-se em casa de familiares, exigindo proteção policial.