Se os dados do recenseamento de 2020, nos Estados Unidos da América, dão conta de que perto de metade da população (48,7 por cento) está filiada numa denominação religiosa, um estudo acabado de publicar naquele país evidencia que os adultos que se dizem sem religião andam perto de um quarto (23 por cento). Entre os jovens adultos essa percentagem supera já um terço (34 por cento).
O que chama a atenção, quando se observa estes dados do ponto de vista temporal, é que é sobretudo nas três últimas décadas que o crescimento ocorre de forma acentuada. De facto, desde o início dos anos 1970 até à primeira metade dos anos 90, a percentagem dos que se diziam sem religião eram relativamente insignificantes entre a população adulta, situando-se, em termos gerais, entre os 5 e os 7 por cento, subindo até à atualidade de forma consistente.

Adultos sem filiação religiosa nos EUA. Fonte: Nonverts: The Making of Ex-Christian America/ ReligionNews
Foi o jovem sociólogo Stephen Bullivant que chamou a atenção para este fenómeno num livro recente intitulado Nonverts: The Making of Ex-Christian America (Oxford University Press, 2022), em que procura compreender os porquês de os americanos, que são por vezes considerados “a exceção à secularização que ocorreu na Europa e em outros lugares”, estão repentinamente a deixar de lado a religião dos seus pais.
Segundo um trabalho que sobre este livro publicou a agência Religion News Service, o fenómeno desse abandono não se verifica tanto com pessoas que nasceram em famílias não religiosas, não tendo, assim, sido educadas e socializadas num ambiente de presença mais ou menos ativa do religioso, mas com pessoas que abandonaram essas referências de infância.
Procurando fatores que podem ter contribuído para essa mudança, a partir da última década do século XX, Bullivant começa por uma pergunta: porque é que essa inversão de tendência não ocorreu antes, por exemplo, nos anos 60, em que a cultura norte-americana conheceu um período de grande agitação?
Entre os fatores que o investigador aponta está um aspeto que outros analistas também têm enfatizado: a subida da direita religiosa e a reação contra o “Contrato com a América” do Partido Republicano, num cenário de mudança de valores e costumes, como é, a título de exemplo, o caso do casamento gay.
Bullivant acrescenta outros três. O primeiro é, para ele, o clima da guerra fria perante a “ameaça do ‘comunismo ateu’”, que tornava difícil questionar os valores estabelecidos, sob risco de anti-americanismo. O segundo é a emergência da internet, que “possibilitou que pessoas com interesses semelhantes se conhecessem” e partilhassem as suas ideias e alargassem os seus mundos. O terceiro é aquilo que o autor designa por efeito de rebanho: a tendência para fazer como os outros, próximos ou distantes, fazem.
Acrescente-se que o sociólogo é, ele próprio, um caso, ainda que em contramão: vindo de uma família não-religiosa, estava a preparar o primeiro dos seus dois doutoramentos (um em teologia e outro em sociologia), quando, na sequência de um processo de aproximação a uma comunidade de dominicanos, acabou por ser batizado e ingressar na Igreja Católica. Ele é, assim, a exceção, já que, nos seus estudos sobre a Grã-Bretanha, seu país de origem, “por cada pessoa criada sem religião que se torna cristã, há cerca de 26 pessoas que fazem o caminho inverso.”