
Jake Daniels, jogador do Blackpool FC, foi um dos primeiros futebolistas a assumir a sua homossexualidade. Foto © Blackpool FC
Foi notícia há dias: Jake Daniels, um jogador profissional de futebol da equipa inglesa Blackpool, afirmou publicamente que é homossexual.
E foi notícia porquê?
Porque ainda é muitas vezes notícia um homem ou uma mulher afirmarem publicamente que são homossexuais.
Mas, sobretudo, porque é ainda mais notícia um jogador profissional de futebol afirmar publicamente que é homossexual. E porque é que é ainda mais notícia? Porque é algo de muito raro, muito raro mesmo.
Como nos conta o The Guardian, a última vez que se ouviu notícia pública de um futebolista homossexual no Reino Unido foi em 1990, ou seja, há 32 anos. A pessoa em causa chamava-se Justin Fashanu, e fosse por isto ou por aquilo, o certo é que acabou por se suicidar em 1998, queixando-se, entretanto, de que a admissão da sua homossexualidade não fora muito bem recebida pelos colegas com quem jogava e até pela família. É claro que isto já foi há muito tempo, já lá vão 32 anos, desde então muita coisa mudou neste domínio como em tantos outros, mas o certo é que desde então nenhum outro futebolista em Inglaterra veio a público falar da sua sexualidade… E devia?…
Sejamos francos: em bom rigor, nada disto devia ser notícia. Nunca. Que é que me interessa se A é homossexual, B é heterossexual, C é bissexual, etc., etc., etc.? Não estamos claramente no domínio da vida privada? Qual a relevância pública de uma “saída do armário”, como se costuma chamar a estes gestos?
E, no entanto, parece que estas revelações infelizmente continuam a ter alguma importância, como os próprios assumem. Jake Daniels explicou o facto de ter tomado agora esta decisão pela vontade pessoal de “contar a [sua] história”.
“Quero que as pessoas conheçam o meu ‘eu’ real”, desabafou. O que pressupõe que, se não dissesse nada, o seu ‘eu’ real continuaria desconhecido. Porquê? Porque, não dizendo nada, as pessoas continuariam a pensar (como à partida pensam de todos os homens de todo o mundo…) que ele era heterossexual. Tão simples como isso. E tão problemático como isso, claro.
Não foi fácil a Jake fazer o que fez, ele que sabe que é homossexual desde os 6 anos (tem agora 17). E ainda menos fácil foi porque queria ser (como agora é) jogador de futebol, num território onde os clichés da masculinidade são porventura mais fortes (quando não homofóbicos e agressivos) do que em qualquer outro. Não é por acaso que, em todos estes anos, ninguém fez o que Fashanu fez em 1990 (uma mera consideração de probabilidade estatística facilmente nos diz que deve haver mais alguns homossexuais entre os futebolistas, não é?…). E foi precisamente por não ser fácil que Jake Daniels decidiu fazê-lo agora. Conforme explicou ao jornal britânico, ele espera com este gesto servir como uma espécie de exemplo (“role model”) para ajudar outros a tomarem idêntica decisão, caso o desejem livremente. A ideia dele é esta: que pessoas em circunstâncias semelhantes pensem que “se este miúdo foi suficientemente corajoso para fazer isto, então eu também sou capaz de o fazer”.
E assim se percebe por que motivo isto é – e se calhar é bom que seja – notícia. Um dia, vai certamente deixar de o ser. Nesse dia, ninguém se importará com a orientação sexual de quem quer que seja e lidará com ela sem qualquer dificuldade ou preconceito. Sobretudo, ninguém cederá à tentação de impor a outros certo tipo de padrões ou modelos de vida, mesmo que não os escolha para si. Por que raio é que eu devo tentar que outra pessoa seja de certa maneira, só porque eu sou de certa maneira?
Bem sei que nem sempre é fácil lidarmos com este assunto, pois há séculos e séculos em cima das nossas cabeças a estabelecer uma norma rígida e imutável – e a tratar como desvio tudo aquilo que não se ajuste tal e qual a essa norma. Mas há que fazer o caminho – o caminho que se faz caminhando. E, aí, certas atitudes individuais, sobretudo de pessoas com visibilidade pública, podem ajudar a andar mais depressa com o passo. A revelação do futebolista inglês, por exemplo, não só contou com total apoio da família como recebeu palavras de estímulo de diversos outros jogadores, o que contribui, como dizia Anita Asante (uma antiga jogadora de futebol e atual comentadora do The Guardian), para “influenciar a conversação pública” sobre o tema e tornar as coisas mais como devem ser.
Para que isto deixe de ser notícia.