[Segunda leitura]

Notícia que não devia ser notícia

| 5 Jun 2022

Jake Daniels, jogador do Blackpool FC, foi um dos primeiros futebolistas a assumir a sua homossexualidade). Foto © Blackpool FC

Jake Daniels, jogador do Blackpool FC, foi um dos primeiros futebolistas a assumir a sua homossexualidade. Foto © Blackpool FC

 

Foi notícia há dias: Jake Daniels, um jogador profissional de futebol da equipa inglesa Blackpool, afirmou publicamente que é homossexual.

E foi notícia porquê?

Porque ainda é muitas vezes notícia um homem ou uma mulher afirmarem publicamente que são homossexuais.

Mas, sobretudo, porque é ainda mais notícia um jogador profissional de futebol afirmar publicamente que é homossexual. E porque é que é ainda mais notícia? Porque é algo de muito raro, muito raro mesmo.

Como nos conta o The Guardian, a última vez que se ouviu notícia pública de um futebolista homossexual no Reino Unido foi em 1990, ou seja, há 32 anos. A pessoa em causa chamava-se Justin Fashanu, e fosse por isto ou por aquilo, o certo é que acabou por se suicidar em 1998, queixando-se, entretanto, de que a admissão da sua homossexualidade não fora muito bem recebida pelos colegas com quem jogava e até pela família. É claro que isto já foi há muito tempo, já lá vão 32 anos, desde então muita coisa mudou neste domínio como em tantos outros, mas o certo é que desde então nenhum outro futebolista em Inglaterra veio a público falar da sua sexualidade… E devia?…

Sejamos francos: em bom rigor, nada disto devia ser notícia. Nunca. Que é que me interessa se A é homossexual, B é heterossexual, C é bissexual, etc., etc., etc.? Não estamos claramente no domínio da vida privada? Qual a relevância pública de uma “saída do armário”, como se costuma chamar a estes gestos?

E, no entanto, parece que estas revelações infelizmente continuam a ter alguma importância, como os próprios assumem. Jake Daniels explicou o facto de ter tomado agora esta decisão pela vontade pessoal de “contar a [sua] história”.

“Quero que as pessoas conheçam o meu ‘eu’ real”, desabafou. O que pressupõe que, se não dissesse nada, o seu ‘eu’ real continuaria desconhecido. Porquê? Porque, não dizendo nada, as pessoas continuariam a pensar (como à partida pensam de todos os homens de todo o mundo…) que ele era heterossexual. Tão simples como isso. E tão problemático como isso, claro.

Não foi fácil a Jake fazer o que fez, ele que sabe que é homossexual desde os 6 anos (tem agora 17). E ainda menos fácil foi porque queria ser (como agora é) jogador de futebol, num território onde os clichés da masculinidade são porventura mais fortes (quando não homofóbicos e agressivos) do que em qualquer outro. Não é por acaso que, em todos estes anos, ninguém fez o que Fashanu fez em 1990 (uma mera consideração de probabilidade estatística facilmente nos diz que deve haver mais alguns homossexuais entre os futebolistas, não é?…). E foi precisamente por não ser fácil que Jake Daniels decidiu fazê-lo agora. Conforme explicou ao jornal britânico, ele espera com este gesto servir como uma espécie de exemplo (“role model”) para ajudar outros a tomarem idêntica decisão, caso o desejem livremente. A ideia dele é esta: que pessoas em circunstâncias semelhantes pensem que “se este miúdo foi suficientemente corajoso para fazer isto, então eu também sou capaz de o fazer”.

E assim se percebe por que motivo isto é – e se calhar é bom que seja – notícia. Um dia, vai certamente deixar de o ser. Nesse dia, ninguém se importará com a orientação sexual de quem quer que seja e lidará com ela sem qualquer dificuldade ou preconceito. Sobretudo, ninguém cederá à tentação de impor a outros certo tipo de padrões ou modelos de vida, mesmo que não os escolha para si. Por que raio é que eu devo tentar que outra pessoa seja de certa maneira, só porque eu sou de certa maneira?

Bem sei que nem sempre é fácil lidarmos com este assunto, pois há séculos e séculos em cima das nossas cabeças a estabelecer uma norma rígida e imutável – e a tratar como desvio tudo aquilo que não se ajuste tal e qual a essa norma. Mas há que fazer o caminho – o caminho que se faz caminhando. E, aí, certas atitudes individuais, sobretudo de pessoas com visibilidade pública, podem ajudar a andar mais depressa com o passo. A revelação do futebolista inglês, por exemplo, não só contou com total apoio da família como recebeu palavras de estímulo de diversos outros jogadores, o que contribui, como dizia Anita Asante (uma antiga jogadora de futebol e atual comentadora do The Guardian), para “influenciar a conversação pública” sobre o tema e tornar as coisas mais como devem ser.

 

Para que isto deixe de ser notícia.

 

O “caso” frei Bernardo de Vasconcelos: 100 anos da sua vocação monacal e uma carta

O “caso” frei Bernardo de Vasconcelos: 100 anos da sua vocação monacal e uma carta novidade

Vem isto a propósito de uma efeméride que concerne o jovem Frei Bernardo de Vasconcelos (1902-1932), monge poeta a quem os colegas de Coimbra amavam chamar “o Bernardo do Marvão”, nome pelo qual era conhecido nas vestes de bardo, natural de São Romão do Corgo, em Celorico de Basto, Arquidiocese de Braga, que a Igreja declarou Venerável e que, se Deus quiser (e quando quiser), será beatificado e canonizado. (Pe Mário Rui de Oliveira)

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

“Em cada oportunidade, estás tu”

Ajuda em Ação lança campanha para promover projetos de educação e emprego

“Em cada oportunidade, estás tu” é o mote da nova campanha de Natal da fundação Ajuda em Ação, que apela a que todos os portugueses ofereçam “de presente” uma oportunidade a quem, devido ao seu contexto de vulnerabilidade social, nunca a alcançou. Os donativos recebidos revertem para apoiar os programas de educação, empregabilidade jovem e empreendedorismo feminino da organização.

Livro de Josué já tem nova tradução

Texto provisório online

Livro de Josué já tem nova tradução novidade

A Comissão da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que coordena a nova tradução da Bíblia acaba de disponibilizar online a proposta de tradução do Livro de Josué, encontrando-se agora aberta a sugestões e contributos dos leitores, “em ordem ao melhoramento da compreensibilidade do texto”.

KAICIID reúne líderes religiosos e comunitários para promover paz em Cabo Delgado

Encontro em Pemba

KAICIID reúne líderes religiosos e comunitários para promover paz em Cabo Delgado novidade

O Centro Internacional de Diálogo – KAICIID, com sede em Lisboa, dinamizou no final da semana passada um encontro de “sensibilização inter-religiosa” em Pemba (capital da província de Cabo Delgado, Moçambique), no qual reuniu membros das comunidades locais, líderes religiosos e organizações da sociedade civil. Deste encontro saíram compromissos a curto e longo prazo de promoção do “diálogo entre líderes religiosos e decisores políticos como ferramenta de prevenção de conflitos” naquela região.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This