
Terceiro dia de reunião da Assembleia do Caminho Sinodal Alemão. Foto © Synodaler Weg/Maximilian von Lachner
O Caminho Sinodal alemão expressa a “tentativa da Igreja neste país enfrentar as causas sistémicas dos abusos sexuais e do seu encobrimento que causaram sofrimento incalculável a tantas pessoas dentro e através da Igreja”, escreveu a 13 de abril o presidente da Conferência Episcopal Alemã, o bispo Georg Bätzing, em resposta às críticas da carta aberta de 74 prelados divulgada no dia anterior.
“Infelizmente, tal abuso de poder – também por parte de autoridades episcopais – não é apenas coisa do passado, mas continua a acontecer no presente, produzindo violações massivas dos direitos e da integridade pessoal dos fiéis e religiosos”, pelo que Bätzing se diz espantado por “estes factos e o seu contexto – que são particularmente importantes para nós – não serem, infelizmente, mencionados na vossa carta”, na qual o poder e o abuso de poder na Igreja são referidos com “eufemismos que em nada ajudam a enfrentar a realidade”, conforme refere a Catholic News Agency de hoje, 18 de abril.
Esta é, desde o finais de fevereiro, a terceira carta aberta endereçada aos bispos alemães por prelados de outros países preocupados com o facto do sínodo alemão ter dado um voto favorável à revisão da doutrina sobre a sexualidade e a homossexualidade, ao celibato opcional dos presbíteros, à abertura do diaconato às mulheres e à possibilidade de todos participarem na escolha do seu bispo [ver 7MARGENS]. A pressão externa sob a forma de carta aberta teve o seu primeiro momento com a missiva do presidente da Conferência Episcopal Polaca, arcebispo Stanislaw Gadeck, [ver 7MARGENS], a que se seguiu, a 11 de março, carta de igual sentido subscrita pelos oito bispos dos países escandinavos (Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia).
O mais recente texto, conhecido a 12 de abril, vê no Caminho Sinodal alemão um grande “potencial de cisma”, sublinha que ele mina “a credibilidade da autoridade da Igreja, incluindo a do Papa Francisco” e que “pelo seu exemplo destrutivo” pode levar “alguns bispos, e levará muitos leigos fiéis, a desconfiar da própria ideia de ‘sinodalidade’.”
Trabalhada inicialmente nos EUA (país em que 48 bispos a assinaram) esta última carta aberta circulou durante um mês por várias dioceses, tendo terminado com 74 assinaturas, entre as quais as de quatro cardeais – o nigeriano Francis Arinze (emérito), o sul-africano Wilfred Napier (emérito), o americano Raymond Burke (emérito) e o australiano George Pell. Entre os signatários há também quatro bispos do Canadá, 17 africanos e um italiano. A disparidade de posições públicas assumidas pelos diversos signatários permite perceber que a carta não foi apoiada apenas por personalidades ultraconservadoras (como, por exemplo, o cardeal Burke ou o arcebispo de São Francisco), ou agastadas com atitudes do papa Francisco (cardeal Pell), mas foi também acolhida com simpatia por outros sectores eclesiais.
Duas acusações centrais

Até agora, as críticas das cartas abertas dirigidas à Conferência Episcopal Alemã centram-se sobretudo na acusação de que a necessidade de alterar a doutrina estabelecida surge não da escuta do Espírito Santo, mas antes da cedência “ao espírito do tempo” [o que se pode traduzir de forma aproximada, como a moda cultural vigente] e de que a democracia eclesial desejada é um excesso desafiador da autoridade eclesiástica. Com base nestas duas acusações todas as três cartas sublinham o “perigo de um cisma” e o desrespeito pelo papel do Papa Francisco.
De resto, o Papa é várias vezes citado neste último texto. Alguns dos argumentos esgrimidos baseiam-se na carta de Francisco “Ao Povo de Deus que Caminha na Alemanha”, de junho de 2019. Nela existem vários alertas contra uma perceção da evangelização como “uma tática de reposicionamento eclesial no mundo de hoje” ou como a introdução de “retoques que adaptem [a evangelização e a Igreja] ao espírito do tempo, fazendo-a perder a sua originalidade e sentido profético”.
É para responder às críticas veladamente sustentadas na carta do Papa Francisco que o bispo Bätzing escreve que o Caminho Sinodal alemão “de forma alguma mina a autoridade da Igreja, incluindo a do Papa Francisco”, para concluir: “A participação dos fiéis na tomada de decisões em todos os níveis da ação eclesiástica em nada prejudicará a autoridade do cargo hierárquico. Pelo contrário, dar-lhe-á uma renovada aceitação entre o povo de Deus”.
Contudo, é provável que a sucessão de tomadas de posição públicas contra as recomendações votadas no processo sinodal alemão, vise classificá-las como “cismáticas” (fraturantes) e assim pressionar Francisco para que tome sobre elas uma posição definitiva. De preferência ainda antes da redação final das contribuições das conferências episcopais de cada país para o Sínodo 2023, que têm de estar concluídas até ao final do mês de agosto deste ano.