“Novos caminhos para a Igreja e para a ecologia integral”

Desmatamento no rio da Saudade, na Amazónia. Foto © Gérard Moss/Projecto Brasil das Águas-Simpósio Religião, Ciência, Ambiente
A Amazónia é o lugar a partir do qual os bispos católicos reunidos em sínodo refletiram sobre os novos caminhos para a Igreja e para ecologia integral e é o lugar onde os padres Carlo Zacquini e Corrado Maldonego, membros do Instituto Missionário da Consolata, têm trabalhado.
Disso deram testemunho no Centro Cultural Franciscano, em Lisboa, a 23 de novembro último: um lugar ultra-periférico de um ponto de vista social e no centro da vida natural terrestre: um terço das florestas nativas do planeta, um terço da biodiversidade, um quinto da água doce não congelada. Um lugar onde, em tempos de globalização acelerada, subsiste uma lacuna antropológica entre a nossa civilização e o modo de vida de muitos dos 385 povos indígenas. Um lugar onde a busca de compreensão do outro indígena coexiste e se confronta com a negação brutal dos seus direitos. Um lugar que interpela os seres humanos e os cristãos, «uma beleza ferida e deformada, de dor e violência». Um lugar que é hoje altar da Missa da Terra Sem Males, e onde ecoam novamente as palavras de Pedro Casaldáliga: “América Ameríndia,/ ainda na Paixão:/um dia tua Morte/terá Ressurreição!”
Mas como é que sentimos interpelações dos missionários da Consolata na Europa? Depois do Sínodo da Amazónia, que desafios se levantam à Igreja Católica de Lisboa? E o que se pede à Rede Cuidar da Casa Comum neste contexto?
Ao pensar nos desafios que os testemunhos dos missionários na Amazónia colocam à Igreja de Lisboa hoje, somos confrontados com a necessidade de uma conversão pastoral, que desperte a passagem de uma Igreja institucional para uma Igreja aberta, inclusiva e dialógica, ao serviço do próximo, a fim de chegar às periferias sociais e culturais da nossa sociedade. Neste espírito, a rede Cuidar da Casa Comum deve ser uma plataforma de diálogo ecuménico, inter-geracional e intercultural, promotora e protagonista de novos caminhos de conversão pastoral, cultural, ecológica e sinodal para as comunidades cristãs em Portugal.
Contra-corrente e contra-relógio
Em concreto, um dos novos apelos do sínodo da Amazónia foi o da conversão cultural. É necessária uma conversão cultural para compreender o outro, portador de uma cosmovisão que, se for desprezada, é uma barreira ao estabelecimento de uma relação humana e à transmissão da mensagem cristã. O mistério da fé tem de se refletir numa teologia inculturada, num caminho percorrido lado a lado, uma imagem para a ideia de sínodo, declinando estratégias neo-coloniais ou programas de evangelização proselitista.
Como nos alertam aqueles povos, o desafio que temos pela frente é a ousadia de ir contra-corrente, senão mesmo contra-relógio, no que isso implica de mudança de estilos de vida e paradigmas de produção e consumo. É o de superar a lógica da posse especulativa e lucrativa da nossa relação com as coisas, a natureza, os seres, o território e os outros, por aquela do “Bem-Viver” e do “Bem-Fazer”, aprendendo o sentido cósmico da mundividência Yanomami: Urihi-Urihi Temi.

Essa transição implica resgatar uma compreensão poliédrica da vida e do humano em estreita inter-relação e interligação com o espaço e com o tempo, a partir do paradigma do dom e do bem, sem descriminação ou preconceito diante da diversidade e da diferença. Trata-se, afinal, como escrevem os padres sinodais, “de viver em harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o ser supremo, pois existe uma intercomunicação entre todo o cosmos, onde não há exclusão nem excluídos, e onde podemos criar um projeto de vida plena para todos.” (Documento Final do Sínodo, 9).
É neste processo de conversão que somos convidados a ganhar consciência da dimensão ecológica do nosso pecado individual e colectivo, onde o grito da Terra ganha forma e nome no choro dos pobres. E só na medida em que soubermos “Bem-viver” podemos ser profetas de um Reino “de justiça, paz, amor e beleza”.
João Miguel Almeida e Pedro J. Silva Rei são membros da comissão executiva da Rede Cuidar da Casa Comum
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