
Trabalho do tio Maga. Foto © Ana Sofia Brito.
Há dias, na minha oração, pedi à avó que pusesse mais um prato na mesa do céu porque nos mentem quando nos ensinam que a esperança é a última a morrer – mas que grande mentira. Acreditei até que a esperança só morria depois de morta, mas é o contrário. A esperança morre assim que nasce.
A esperança brota de uma dor qualquer que nos faz precisar dela e é nesse momento que a morte começa a acontecer.
É nesse momento que a briga com Deus começa a fervilhar em tudo o que é artéria deste organismo vulnerável.
Se te pedi que metesses mais um prato na mesa do céu, avó, não foi porque a esperança desse lugar vazio nascesse em mim; foi porque ela morria já – nos olhos vazios da dor, nos gemidos da dor, no cheiro da dor instalado no quarto da espera.
Queria eu que esse lugar à mesa do céu permanecesse vazio. Já me basta a multidão que tenho na tribuna do infinito sagrado; quero-os aqui, em carne e osso, com voz a encher as palavras, com abraços de verdade a sufocarem-me os poros.
Mas agora que a esperança assumiu definitivamente a própria certidão de óbito, agora, com a morte consumada volto a lembrar-te, avó. Mete mais um prato na mesa do céu e serve-o bem. Aí vai um bom pedaço do meu coração a querer amar e já não poder; fá-lo por mim, avó, já que agora ele está onde as minhas mãos não chegam.
Ana Sofia Brito começou a trabalhar aos 16 anos em teatro e espetáculos de rua; Depois de dois anos na Universidade de Coimbra estudou teatro, teatro físico e circo em Barcelona, Lisboa e Rio de Janeiro, onde actualmente estuda Letras. Autora dos livros “Em breve, meu amor” e ” O Homem do trator”.