O colete “crucificado” pelo Papa para lembrar o compromisso de salvar vidas

O Papa no final do encontro, ainda com os refugiados, tendo ao fundo o colete salva-vidas sobre a cruz. Imagem captada da transmissão em directo, da Vatican News.
O Papa Francisco afirmou nesta quinta-feira, 19 de Dezembro, que não é “bloqueando” os barcos com refugiados e não permitindo que eles atraquem que se resolve o problema de quem tenta chegar à Europa, até porque “é a injustiça que os obriga a atravessar desertos e sofrer abusos e torturas em campos de detenção” e é também “a injustiça que os rejeita e os faz morrer no mar”.
Falando num encontro com um grupo de refugiados que estão em Roma, vindos da ilha de Lesbos, na Grécia, o Papa acrescentou: “É necessário um empenho sério em esvaziar os campos de detenção na Líbia, avaliando e concretizando todas as soluções possíveis. É necessário denunciar e perseguir os traficantes que exploram e maltratam os migrantes, sem medo de revelar conivência e cumplicidade com as instituições.”
No discurso, o Papa por se referir a um segundo colete salva-vidas que acabara de receber de presente. “O primeiro foi-me dado há alguns anos por um grupo de socorristas. Pertencia a uma menina que se afogou no Mediterrâneo”, recordou, no seu discurso (disponível, para já, apenas em italiano, no portal do Vaticano na internet), lembrando também o “imprescindível empenho da Igreja em salvar a vida dos migrantes, para os poder acolher, proteger e promover a sua integração”.
O segundo colete, acrescentou depois, foi entregue por outro grupo de socorristas há poucos dias. Pertencia a um migrante que morreu no mar em Julho, acrescentou o Papa. “Ninguém sabe quem ele era ou de onde ele veio. Sabe-se apenas que o seu colete foi recuperado à deriva no Mediterrâneo central (…). Estamos diante de outra morte causada pela injustiça. Sim, porque é a injustiça que força muitos migrantes a deixar suas terras.”
Esse segundo colete estava a “vestir” uma cruz na sala onde decorreu o encontro, cujo significado o Papa descreveu em detalhe, pelo “significado espiritual” das palavras que aprendera dos socorristas: “Em Jesus Cristo, a cruz é uma fonte de salvação, ‘loucura para os que se perdem – diz São Paulo –, mas para os que se salvam, para nós, é a força de Deus’. Na tradição cristã, a cruz é um símbolo de sofrimento e sacrifício e, ao mesmo tempo, de redenção e salvação.”
Os socorristas, acrescentou o Papa, falaram-lhe do modo “como a humanidade está aprendendo com as pessoas que conseguem salvar” e de “como em todas as missões redescobrem a beleza de ser uma única família humana grande, unida na fraternidade universal”. Por isso, decidira expor o colete “crucificado” naquela cruz, como forma de “lembrar que devemos manter os nossos olhos abertos, os nossos corações abertos, para lembrar a todos o compromisso imperativo de salvar toda a vida humana, um dever moral que une os crentes e não-crentes”.
“Como podemos não escutar o grito desesperado?”
Francisco terminou o discurso fazendo de novo perguntas incómodas: “Como podemos não escutar o grito desesperado de tantos irmãos e irmãs que preferem enfrentar o mar tempestuoso a morrer lentamente nos campos de detenção líbios, lugares de tortura e escravidão ignóbil? Como podemos permanecer indiferentes diante dos abusos e da violência de que são vítimas inocentes, deixando-os à mercê de traficantes sem escrúpulos?”
Afirmando que “a nossa preguiça é um pecado”, Francisco agradeceu a “todos os que decidiram não permanecer indiferentes e fazem o máximo para ajudar a vítima, sem fazer muitas perguntas sobre como ou porquê os pobres semi-mortos terminaram o seu caminho”. E insistiu: “Os interesses económicos devem ser postos de lado para que no centro esteja a pessoa, toda a pessoa cuja vida e dignidade sejam preciosas aos olhos de Deus. Nós devemos ajudar e salvar, porque somos todos responsáveis pela vida do nosso próximo e [Deus] pedir-nos-á contas no momento do juízo.”
Os 33 refugiados, entre os quais 14 menores, foram acolhidos em Roma pela Comunidade de Santo Egídio no dia 4, graças a um corredor humanitário acompanhado pelo cardeal Konrad Krajewski, esmoler pontifício, noticiou a Ecclesia.
Oriundos do Afeganistão, Camarões e Togo, o grupo inclui 10 cristãos mas todos eles têm em comum “uma história de guerra, violência e pobreza”, como refere o Vatican News, citado pela mesma fonte, antes de irem para o campo de Moria, o maior campo de refugiados da ilha de Lesbos, com 14 mil dos cerca de 17 mil que ali estão.
Daniela Pompei, responsável dos serviços de imigração e integração da Comunidade de Santo Egídio, diz que no final deste mês chegarão mais dez. Algumas famílias, acrescenta, passaram “um ano, um ano e meio” em Lesbos, “depois de terem feito viagens terríveis”. E “o caminho da integração começará imediatamente: já no dia seguinte à chegada estão previstas as matrículas na escola para crianças e inclusão na escola para adultos, para aprender italiano”.
No final do encontro, e depois de a cruz ter sido colocada na parede que lhe estava destinada, o Papa cumprimentou individualmente cada um dos refugiados, detendo-se a trocar breves palavras com alguns deles.
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