O cristianismo resiste

| 2 Fev 2023

“Ao longo dos censos, à medida que aumenta o número de pessoas sem religião, diminui o número de cristãos e de católicos, parecendo que a percentagem dos últimos seria próxima da de 1940 não fosse o crescente número daquelas.” Foto: Raw / Pixel 

 

Expomos neste artigo a dispersão das crenças religiosas dos portugueses nos últimos 120 anos, baseados nos censos da população, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística no dia 23 de Novembro de 2022.

Advertimos o leitor de que as categorias dos dados não se apresentam uniformes ao longo do período em análise porque, trabalhando o INE com base numa metodologia indutiva, elas são retiradas de uma massa de dados que se apresenta ao coletor/intérprete com alguma evidência.

Por outro lado, sendo os inquéritos dos censos preenchidos por cada pessoa ou pelo responsável de uma família, os resultados são falíveis, sobretudo em situações de falta de literacia para compreender as questões e a ambiguidade do conteúdo das opções. Tal ocorre notoriamente nas opções “não sabe/ não responde/sem religião” à questão de qual a religião que professa. Para efeitos da nossa análise, integrámos as três opções, o que só é feito pelo INE para o Censo de 2021.

“Não sabe/ Não responde/ Sem religião” não significa necessariamente que a pessoa ou pessoas não professem uma religião mas as respostas à questão são reunidas na categoria de pessoas sem religião, agnósticas, o que levanta sérios problemas de fidelidade e de objetividade dos dados já que as percentagens desta categoria podem influenciar e, provavelmente, influenciam a oscilação do número de crentes de cada religião e, dentro das religiões, das suas variantes, sobretudo no cristianismo e na variante catolicismo.

Ao longo dos censos, à medida que aumenta o número de pessoas sem religião, diminui o número de cristãos e de católicos, parecendo que a percentagem dos últimos seria próxima da de 1940 não fosse o crescente número daquelas.

Existe nos censos, até 1960, um equívoco permanente ao identificar cristãos e católicos. A partir do Censo de 1981, a distinção é feita com pertinência. Do mesmo modo, e a partir do mesmo Censo, é feita a identificação das religiões da categoria “religiões-outras”.

A situação atual

Ao longo do período 1900-2021, verifica-se uma diminuição progressiva da percentagem do número de cristãos e de católicos, de 99,9% em 1900, para, respetivamente, 84,83% no caso dos cristãos, e 80,256% no caso dos católicos. Essa redução parece não derivar essencialmente da adesão das pessoas a outras variantes de religião mas sim de uma não-crença em qualquer religião. Porém, releva-se o crescimento da sub-religião protestante, nos últimos 20 anos, de 48.301 prosélitos para 186.832, num crescimento de 386% no período. Releva-se igualmente a afirmação de várias religiões não cristãs ainda que o seu proselitismo tenha pouco significado, que significa a presença no país de comunidades-outras para lá da portuguesa.

A redução do número de católicos não é dramática porque também acompanha a redução demográfica existente embora requeira atenção e medidas de contenção e recuperação face ao avanço do movimento dos sem-religião, sobretudo no âmbito da “nova evangelização” da Europa, reclamada pelo Papa Bento XVI.

Como nota final, antes da apresentação dos quadros, diremos que o cristianismo e o catolicismo, em Portugal, resistiram bem melhor que em Espanha, França e Europa, em geral.

Um artigo de 24 de Novembro de 2022, na Ecclesia, analisa detalhadamente os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) para 2021 comparando-os aos de 2011. Utiliza as categorias estabelecidas pelos técnicos do INE. Não nos debruçaremos por isso em detalhe sobre as particularidades ali analisadas. O artigo é suficientemente abrangente e descritivo das diferentes categorias. Toma em consideração as variantes do cristianismo, as variantes de outras religiões e a categoria dos “sem religião”. Permite depreender que, entre 2011 e 2021, não houve mudanças significativas. Os quadros que apresentamos fornecem sínteses de todos os dados.

Nos quadros que se seguem apresentamos a síntese dos resultados que construímos para o nível nacional.

No QUADRO I, aglutinamos os dados em três grandes categorias: “Cristianismo”, “Religiões-outras” e “Sem religião”. Verificamos que a queda do catolicismo não é acompanhada linearmente pela das outras variantes cristãs.

No QUADRO II, descrevemos os crentes de cada variante religiosa nas duas primeiras categorias. Verificamos o aumento das variantes da categoria “Outras religiões”, até pelo aumento das comunidades imigrantes, e também um grande aumento da variante protestantismo na categoria “Cristianismo”.

No QUADRO III, complementamos a informação do quadro anterior fazendo-a corresponder a percentis.

QUADRO I – Prosélitos das crenças religiosas presentes em Portugal, agrupados nas categorias “Cristianismo”, “Religiões-outras” e “Sem religião” e respetivas percentagens face ao número de pessoas com mais de 15 anos

 

QUADRO II - Repartição dos crentes das religiões cristãs e das religiões-outras pelas diversas variantes de religião, em Portugal, ao longo dos censos nos últimos 120 anos

QUADRO II – Repartição dos crentes das religiões cristãs e das religiões-outras pelas diversas variantes de religião, em Portugal, ao longo dos censos nos últimos 120 anos

 

QUADRO III– Percentagens de prosélitos de cada variante religiosa face ao número total de pessoas com mais de 15 anos, recenseados em Portugal, em cada censo, entre 1981 e 2021

 

Os dados apresentados têm uma interpretação difícil pela sua aridez. Temos apenas quantidades e as qualidades interpretativas derivam exclusivamente das categorias a que se referem. Assim, teremos de procurar em fatores a-religiosos, sociais, políticos e académicos externos as fontes explicativas possíveis, sem qualquer pretensão de objetividade.

A dessacralização do real é apresentada vulgarmente como sucedânea da valorização da natureza e da experiência pelos autores do Renascimento a partir de meados do século XV.

O Iluminismo do século XVIII, sobretudo na forma de Enciclopedismo, aprofundou a busca da verdade na experiência e na razão, recusando explicações que não pudessem ser demonstradas físico-matematicamente. Tal tendência consolidou-se com o contributo de Immanuel Kant de que “só podemos conhecer os fenómenos”. A segunda metade do século XIX transformará esta tendência em nova verdade, cognominada de “cientismo”, buscado também nas ciências sociais através dos materialismos histórico e dialético, propondo um “homem novo”, racional e “super-homem” porque capaz de suprimir qualquer explicação pela via religiosa e metafísica.

O século XX adoptará estas posturas e condensá-las-á numa escola de natureza filosófica e social, a Escola de Frankfurt, propondo a abolição de todas as estruturas mentais e sociais ainda dominantes, dando origem a um movimento de novas lutas sociais, e de novos direitos, nos EUA, emergindo, no início da década de 60, a nova Esquerda.

Deste modo, a segunda metade do século XX e décadas seguintes confrontarão as “verdades cristãs católicas” com as novas verdades da razão sócio-crítica numa luta permanente contra as doutrinas reveladas, fazendo a apologia do irracionalismo da religião e, sobretudo, da religião cristã-católica, propondo a abolição desta. Objetivando as críticas na religião católica, o movimento sócio-crítico esqueceu que na natureza humana existe uma dimensão religiosa universal que faz com que o ser humano seja religioso e busque uma religião como solução para a sua busca de infinito. E assim, na ausência de cristianismo e de catolicismo, outras religiões ocuparão o lugar daquelas.

Os responsáveis e prosélitos do catolicismo defenderam-se e continuam a defender-se dos ataques. Chegaram a 2021 com um proselitismo de 80,256% das pessoas com mais de 15 anos. É um brilhante score que revela a pujança do catolicismo e a sua importância social mas que exige continuidade de atenção e de luta, buscando a conciliação de fé e da razão como queria Bento XVI.

 

Henrique da Costa Ferreira é presidente da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Bragança-Miranda do Douro.

 

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