O escutismo católico português no seu centenário: três segredos, um desafio e o futuro

| 26 Mai 2023

Escutismo

Miguel Salgado à esquerda: “Como explicar ou como entender que haja gente que dedique algum (muito) tempo aos outros e ao bem comum, congregando-se numa espécie de “irmandade”, num ambiente imbuído de um conjunto de valores, de uma mística, de códigos e cifras? ”  Foto © Direitos Reservados

 

O Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português atinge a 27 de maio de 2023 a bonita idade de 100 anos. Como com uma pessoa que chegue a esta idade, todos queremos saber qual o segredo para tal longevidade? Tudo se afigura passível de admiração! O que agora apresento é uma visão muito pessoal, de alguém que ingressou aos 17 anos num agrupamento cheio de história, em Brito, no núcleo de Guimarães, e que passado 33 anos, e agora em Bragança, continua irremediavelmente apaixonado, ao ponto de correr o risco de ter dificuldade em ver bem e apesar de tudo aquilo que não foi tão bom ao longo do percurso!

O primeiro segredo é que o escutismo é a verdadeira fonte da eterna juventude. Num mundo aparentemente cada vez mais devotado ao culto do “eu” e ao individualismo em que tudo nos procura levar a um certo egocentrismo em prol do meu bem-estar, do meu prazer, do meu eu, sinto que o escutismo, como o Papa João Paulo II tão bem traduziu, que há que remar contra a maré, se queremos chegar à fonte, não desistiu nunca de ser essa esperança. Mas neste mundo tão cheio de espelhos, tão cheio de selfies, como explicar, então, ou, como entender, que ainda haja jovens e menos jovens à descoberta de si mesmos através do(s) outro(s)? Como explicar ou como entender que haja gente que dedique algum (muito) tempo aos outros e ao bem comum, congregando-se numa espécie de “irmandade”, num ambiente imbuído de um conjunto de valores, de uma mística, de códigos e cifras? Vejamos, nesta perspectiva, os adultos que se dedicam ao escutismo. Geralmente considerados malucos ou super-heróis, a quem só falta a capa e a espada, vimos a descobrir que afinal são meros mortais, tão falíveis quanto todos os outros, ainda que com uma preocupação dedicada, a todo o instante, pelo(s) outro(s) e que descobriram no escutismo os verdadeiros tesouros da sua vida: a alegria partilhada, a amizade desinteressada, o dar sem medida, o gastar-se sem esperar recompensa, um amor genuíno pela juventude e suas problemáticas, um sentido de missão que os realiza e dá sentido à sua vida e, porque não?, a verdadeira fonte da eterna juventude. Sim, porque quem se dedica ao escutismo não consegue envelhecer. Está sempre em mudança, em permanente atualização, de forma a estar a par daquilo que os jovens vêm e falam. É estar sempre num ambiente que respira os sinais dos tempos. E isto não nos deixa parar! A título de contraprova, quando algum dirigente passa alguns anos dedicado às estruturas e aos adultos, tende a envelhecer muito mais rapidamente!

O segundo segredo é o da inter-geracionalidade. Onde, em que grupos, é que podemos dizer que temos amigos de todas as idades? Tipicamente os nossos grupos de amigos estão nas nossas faixas etárias. Se tivermos a felicidade de construir um grupo de amigos no trabalho, talvez aí possa ser parecido, mas não conheço nada que se compare ao escutismo. Tenho dirigentes amigos que são da idade do meu pai. Tenho dirigentes amigos que podiam ser meus filhos. Tenho amigos que são mais novos que os meus filhos! E a cada ano que passa, a cada atividade que fazemos, vamos aumentando este círculo. Onde conseguimos encontrar isto? É de uma riqueza incomensurável e é algo que até recentemente ainda se vivia em muitas famílias. Hoje contar-se-ão pelos dedos das mãos aquelas famílias que conhecemos onde vivem ainda três gerações.

O terceiro segredo é o mais difícil: o da humildade. Recordo as palavras de Agostinho da Silva que, numa referência ao fundador do escutismo mundial, Baden-Powell, nos seus textos pedagógicos, escreveu que este se calou para ouvir as crianças. Este aspecto, que no escutismo traduzimos como o ask the boy [pergunta ao rapaz] continua a ser a mola impulsionadora da novidade do escutismo. Sendo uma criação de crianças para crianças, há sempre espaço para experimentar, para aprender com o erro, para aperfeiçoar. E, mais uma vez, o sermos chamados a ouvir o(s) outro(s) coloca-nos num papel desconfortável, aquele em que não somos os protagonistas principais.

O Escutismo Católico completa 100 anos em Portugal. Não temos notícias de que se tenha perdido alguma vez o seu referencial fundacional, Jesus Cristo, e a sua missão primordial, os homens novos!, bem espelhada nesta máxima particular: “o escutismo não serve para fazer escuteiros”! E nesta demanda do escutismo manda o génio de Baden-Powell quando nos diz que a única forma de educar é pelo exemplo. Isto foi verdade bem no início, quando passado pouco tempo da fundação o CNE (na altura Corpo de Scouts Católicos Portugueses) foi ilegalizado. E logo os seus dirigentes arranjaram forma de criar associações locais mantendo o escutismo a funcionar. Era preciso gente de coragem! Isto foi bem verdade nos anos 30 do século passado ou na sangria da emigração ou da guerra colonial dos anos 60 e 70. Isto é bem verdade hoje, quando o desafio de dar o exemplo continua a ser o mais difícil de pôr em prática!

Frequentemente ocorre-me que há ainda muito caminho a percorrer porque estes três segredos, ainda que o sejam aos olhos dos outros, continuam a ser o grande desafio que os dirigentes vivenciam todos os dias: o desafio da permanente inquietação perante a sociedade, o desafio de trabalhar com gente de diferentes gerações, o desafio de nos remetermos a um papel secundário e dar protagonismo a quem tem que o ter: as crianças e os jovens. É muito difícil! Por vezes penso no escutismo de amanhã, já o dia 1 do segundo centenário, na sua relevância para uma sociedade em que a humanidade irá interagir com inteligências artificiais e recordo-me de Wislawa Szymborska: “quando pronuncio a palavra futuro, já a primeira sílaba se perde no passado”. Venham os próximos 100!

 

Miguel Salgado é Chefe do Agrupamento XVIII – S. João de Deus, Bragança, representante do CNE na Confederação Portuguesa do Voluntariado (CPV) e professor no Instituto Politécnico da Guarda.

 

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