
Ilustração © Lígia Rodrigues, cedida pela autora.
Desde há vários anos, a comunidade da Capela de Nossa Senhora da Bonança (conhecida como Capela do Rato), em Lisboa, assinala o tempo litúrgico do Advento com a publicação de postais com uma pintura encomendada a um(a) artista e um poema alusivo ao dia. Este ano, a convidada foi a artista portuense Lígia Rodrigues (que reside no Algarve), sendo os textos da autoria da escritora Leonor Xavier e do actor e encenador Luís Miguel Cintra. Por acordo com a Capela do Rato, o 7MARGENS publicará os quatro postais e as orações respectivas de cada domingo, bem como a “memória descritiva” preparada pela artista, para apresentar a sua obra. O primeiro postal e respectivos textos reproduzem-se a seguir. Os próximos serão publicados nos próximos domingos, dias 5, 12 e 19, durante a tarde.
Memória descritiva
“Levantar-se-á nação contra nação, e reino contra reino…
E haverá em vários lugares grandes terremotos, e fomes e pestilências…”
As desgraças anunciadas fazem pensar em dor, desolação, abandono, como uma subida ao gólgota.
Antes da glória da ressurreição, a morte.
“E então verão vir o Filho do homem numa nuvem, com poder e grande glória.”
Cristo vem, Cristo que já não existe sem nos conter, pois unidos somos o Seu Corpo!
Uma exigência de amor prevista naquele “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 13, 14), condição para que Ele nasça e renasça entre dois ou mais unidos no Seu nome, unidos no “Não há maior amor do que dar a vida pelos seus amigos”( Jo 15, 13).
Jesus vem em poder e glória entre nós, cada vez que somos protagonistas do amor recíproco, cada vez que o damos ao mundo como presença viva entre nós.
É a Igreja que renasce sempre nova, como resposta de amor abraçando a Humanidade.
Cristianismo que não existe sem comunidade… e dos primeiros cristãos dizia-se: “…vede como se amam e uns pelos outros estão prontos a dar a vida… (Tertuliano, Apologético 39 [ed. Alcalá])
Jesus vem como “branco”, síntese das cores aqui complementares (as cores opostas no círculo cromático: violeta–amarelo; azul– laranja; vermelho–verde) na condição de unidade dos opostos, alfa e omega, princípio e fim, atmosfera que liga todas as coisas: o tudo em todos: “Que todos sejam um Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste.” (Jo 17, 21)
Lígia Rodrigues
Então, hão-de ver o Filho do
homem vir numa nuvem, com
grande poder e glória (Lc 21, 27)
Meu Senhor, desde a sombra da noite
rezo e te sinto e te procuro.
Invisível, vai passando este Advento, de esperança alumiada.
A inquietação em face das notícias, a pergunta sem resposta.
O espetáculo do mundo, Senhor,
e a tua presença, e a tua palavra de amor,
a esperança, a luz do caminho,
a levar-nos ao dia da revelação.
A espera, Senhor, os passos que vão acontecendo,
a espiritualidade, nos teus desígnios.
As palavras do Papa Francisco,
o alerta para os grandes desesperos,
a invasão do nosso cotidiano.
Os abusos sexuais, as multidões entre fronteiras.
A doença de matar, vai vem decisões,
cientistas, governos, poderes.
O futuro do ambiente, a respiração de todos nós, meu Senhor.
Rezo com esperança, a fé é dom, é graça, é força, é certeza.
Leonor Xavier 2021