
“A luta das mulheres – e não só – no Irão, desencadeada pelo espancamento até à morte de Masha Amini, por violação do código de vestuário em vigor, tem estado a comover o mundo e a abalar o teocrático regime iraniano.” Foto: Protestos no Irão contra morte de Mahsa Amini. Retirada das redes sociais
Não há dia que não cheguem notícias relativas ao grande e antigo país que é o Irão. As ruas das cidades desde há largas semanas que têm sido palco de multidões de manifestantes a clamarem por liberdade. Aos apelos dos iranianos, o governo religioso autocrático do Irão tem respondido com uma desmesurada e sangrenta violência, chegando a condenar à morte alguns manifestantes.
Os regimes autoritários, como é o caso do Irão, não suportam a palavra liberdade e as manifestações de rua. Desde Putin na Rússia, ao regime chinês, aos talibãs. Quando há qualquer manifestação, a polícia sai à rua para reprimir brutalmente os manifestantes.
É o que está agora a acontecer todos os dias no Irão, governado pelo regime teocrático dos ayatollahs, seguidores do islão xiita. O regime deste país impõe às mulheres iranianas estarem encerradas no seu lar, cuidar apenas dos seus filhos e vestir-se como mandam – todas tapadas; os gays não devem atrever-se a vir para a praça pública manifestar-se – as minorias devem contentar-se a viver a sua vida marginalizada.
A luta das mulheres – e não só – no Irão, desencadeada pelo espancamento até à morte de Masha Amini, por violação do código de vestuário em vigor, tem estado a comover o mundo e a abalar o teocrático regime iraniano. Amini foi considerada, pela revista Time, a heroína do ano de 2022, pelo grave acontecimento que viveu, conseguindo pôr em causa o todo-poderoso regime religioso do Irão, implantado no país desde a revolução islâmica de 1979. Estes acontecimentos têm provocado, por todo o mundo livre, homenagens públicas à bravura destas mulheres iranianas, bem como à opressão feminina, nomeadamente no nosso país. Em 2022, pelo menos 28 mulheres foram mortas em contexto de relações de intimidade. Lamentavelmente, Portugal e muitos países democráticos continuam também a registar uma elevada taxa de casos de violência de género. Portanto, a luta das mulheres do Irão deve também ser motivadora do apoio que todos devemos dar a esta causa universal.
Se virmos o que se passa no Irão relativamente à opressão das mulheres, temos de ter em conta que se trata de uma região que tem estado a ser governada por califados muçulmanos desde 650, altura em que os exércitos árabes islâmicos conquistaram um imenso território que ia desde a Península Ibérica até ao rio Indo na Índia.
Trata-se da dinastia Omíada que transformou radicalmente a vida na Pérsia e noutros estados cristãos, unindo-os a todos na mesma língua e religião. A língua árabe, a cultura e a ciência, as artes e os costumes, bem como a religião dos povos invadidos e dominados, foram implantadas nas mesquitas, que se tornaram o centro mais importante de cada cidade ou aldeia. Uma poderosa civilização espalhada pela Ásia e Europa que ajudaria a impulsionar o movimento cultural de Renascimento na Europa.
Uma data importante para o que é hoje o Irão, antiga Pérsia, deu-se em 1500 em que se foi implantando, em alguns nos reinos muçulmanos, a denominação xiita do islamismo.
Dando um salto até à Grande Guerra 1914-18 este país foi envolvido neste conflito integrado no Império Otomano. Derrotado neste conflito, foi ocupado pelo vencedor Reino Unido que se dedicou a explorar o precioso petróleo, arrecadando para o seu país fabulosas fortunas.
De 1921 a 1925, no pós-guerra, uma nova dinastia tomou conta do país, dotando o Irão de grandes e modernas infraestruturas e indústrias, nomeadamente o caminho de ferro. O poder foi então centralizado no monarca Xá Reza Pahlavi. Seria só em 1935 que o monarca reinante solicitou e foi aceite pela comunidade internacional o nome Irão para a antiga Pérsia. Após a Segunda Guerra Mundial, implantou-se no Irão uma ditadura do Xá tendo, na década de 70, o clero xiita ganhado força política. Em 1963 o Irão modernizou-se novamente, chegando a dar o voto às mulheres. Um progresso assinalável.
Em abril de 1979, a autoridade suprema foi ocupada por um chefe religioso. Desde 1981, o país tornou-se num regime teocrático, contra as forças civis que são reprimidas. É neste escaldante clima actual de repressão em que vive a sociedade civil, sobretudo as mulheres, as mais perseguidas na sua dignidade. Até quando durará esta brutal repressão aos justos protestos?
Um Próspero Novo Ano!
Florentino Beirão é professor do ensino secundário. Contacto: florentinobeirao@hotmail.com