O “irmão universal” está connosco

| 25 Mai 2022

carlos de foucauld foto dr

Olhando para a família de Nazaré, Charles de Foucauld, na sua transformação de vida, percebeu a «esterilidade do anseio pela riqueza e pelo poder; com o apostolado da bondade». Foto: Direitos reservados.

 

Paulo e Barnabé, atravessando a Pisídia, chegaram à Panfília, anunciaram a palavra em Perga, e depois desceram para Atalia. Dali embarcaram para Antioquia, de onde tinham saído, entregues à graça de Deus, para o trabalho que haviam realizado. Reuniram a comunidade. Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos. E demoraram bastante tempo com os discípulos (Cf. Atos dos Apóstolos).

Este relato revela um caminho exigente e cheio de dificuldades. Mas a lição fundamental é a de que os apóstolos vão ao encontro dos gentios, afirmando que o Povo de Deus é constituído por todos e não só por alguns ou por uns quantos privilegiados. Todos são chamados. Por isso, o Papa S. João XXIII, quando escreveu a encíclica Pacem in Terris, num momento difícil do arranque do Concílio Vaticano II, dirigiu-a a todos, mulheres e homens de boa vontade. O diálogo entre as pessoas é a chave da dignidade humana. Como afirmou o padre Matteo Ricci (1552-1610), na China, no tempo da infeliz questão dos ritos, a relação com o mundo obriga-nos a considerar todos como uma natural continuação de cada um, como a outra metade de nós mesmos. O amor, o cuidado e o serviço levam-nos a entender a fé como um dom, que não se alimenta de valores abstratos, mas sim de uma relação entre pessoas concretas, feita de entrega, de troca, de experiências e de uma permanente aprendizagem. A chave das Bem-aventuranças está, pois, na relação entre as pessoas e no reconhecimento da dignidade de todos. A abertura da porta da fé corresponde, assim, à procura do amor.

Importa saudar a importância da canonização, há dias, de Charles de Foucauld (1858-1916), o «irmão universal», exemplo de entrega à causa missionária no Norte de África, depois da conversão em 1886, que correspondeu a uma completa mudança de vida (como no caso de Agostinho de Hipona).

E aqui descobrimos um modo especial de abertura da porta da fé, em nome da paz e de uma espiritualidade centrada no primado da dignidade da pessoa humana. Charles dizia-se portador de Cristo, compreendendo que sua missão era, antes de tudo, viver a fraternidade com os que o rodeavam, testemunhar a sua alegria no dia-a-dia. E assim emerge a figura que estudava as línguas dos outros e as suas tradições, para melhor comunicar com eles e para que a troca de experiências pudesse ser fiel à linguagem do coração. E sob essa inspiração foi criada a Fraternidade dos Irmãozinhos de Jesus, fundada pelo padre René Voillaume (1905-2003), na qual se integraria Jacques Maritain (1882-1973) nos últimos anos da sua vida, que o Papa Paulo VI desejou tornar cardeal, segundo uma faculdade excecional de reconhecer aos leigos a possibilidade de chegarem ao cardinalato. Para Charles de Foucauld importaria, no fundo, a recolha dos testemunhos e de experiências de culturas diferentes, tendo o novo santo dedicado especialmente os seus esforços à reunião de textos, poemas e canções tuaregues. E no centro dessa atenção e dessa procura estava a vivência do Evangelho como amor. Assim a sua missão foi a de ser portador de Cristo e da Boa Nova, numa vida do dia-a-dia partilhada, deixando espaço para que o Espírito fizesse a sua obra no coração de cada pessoa. S. Carlos de Jesus não considerou, assim, que a sua tarefa fosse mostrar o caminho, mas permitir a cada um encontrar o amor de Jesus Cristo, não necessariamente do modo que o missionário inicialmente teria imaginado, mas na maneira que só Deus conhece, que é o caminho que é bom para cada um.

Olhando para a família de Nazaré, Charles de Foucauld, na sua transformação de vida, percebeu a «esterilidade do anseio pela riqueza e pelo poder; com o apostolado da bondade», fez-se tudo para todos, atraído pela vida de ermita, compreendendo que «não se cresce no amor de Deus evitando o serviço das relações humanas». Porque é amando os outros que se aprende a amar Deus; é curvando-se perante o próximo que se eleva a Deus. Através da proximidade fraterna e solidária aos mais pobres e abandonados, o irmão dos irmãos «compreendeu que são precisamente eles que nos evangelizam, ajudando-nos a crescer em humanidade». Mas os salteadores do deserto viram no tesouro que o irmão Charles guardava no íntimo de si, Jesus no sacrário, uma mera riqueza material e mataram-no, repetindo o Calvário. E hoje o seu exemplo e a sua memória levam a considerar a ligação entre compaixão e justiça. Quando caminhamos para o Pentecostes, e seguimos o caminho de Paulo e Barnabé, é tempo de pensarmos (nesta estranha conjuntura de guerra) na porta da fé, amando a Deus na riqueza das relações humanas, para além de ressentimentos e violências, para que a dignidade das bem-aventuranças não seja uma palavra vã!

 

Guilherme d’Oliveira Martins é administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian.

 

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