Cada vez mais migrantes e refugiados

O Mediterrâneo continua a ser a grande vergonha da Europa

| 28 Nov 2022

migrante chega a ilha de lesbos, na Grecia, Foto © UNICEFAshley Gilbertson

A partir de 2020, tem-se vindo a registar um crescimento acentuado de migrantes e ninguém parece querer acolhê-los. Foto © UNICEF / Ashley Gilbertson.

 

Análise

Bastou a ascensão da extrema-direita ao poder em Itália, um ponto crítico de pressão migratória sobre a União Europeia, para virem, de imediato, ao de cima as fissuras e tensões entre os países-membros. E não foi propriamente por falta de leis, mas por falta de vontade e de decisões para as aplicar.

Na mais recente reunião dos ministros com o pelouro da Administração Interna e das Migrações, na última sexta-feira, 25, esperava-se que as posições de força tomadas pelo Governo de Giorgia Meloni e, em reação a esta, de Emmanuel Macron bastassem para que estes e os restantes Estados-Membros clarificassem os problemas e articulassem a sua ação.

Perante os apelos de um barco de salvamento da ONG SOS Mediterranée há largos dias em alto mar com 234 migrantes a bordo, em condições cada vez mais críticas, Meloni foi determinada: não haveria porto italiano para o receber. E foi mais longe: que procurasse uma solução no país em que estão baseadas as operações de socorro da embarcação, ou seja, a França.

Macron, perante a emergência, aceitou acolhê-los, mas, em retaliação, suspendeu compromissos anteriormente acordados de receber 3500 refugiados que viessem a aportar a costas italianas. Foi ainda mais longe: anunciou que o acordo assinado pelos membros da UE, em 2020, de distribuir proporcionalmente entre si os migrantes aceites em território europeu, ficava sem efeito no que à França dizia respeito.

 

A inoperância da União Europeia está à vista

Deve dizer-se que perante esta crise se esperava que a reunião extraordinária dos ministros anunciasse o modo encontrado para ultrapassar as dificuldades e prevenir situações idênticas no futuro. O comunicado final, como o 7MARGENS noticiou, limitou-se a referir a existência de consonância dos países da União quanto às políticas que estão definidas… e pouco mais.

Mas a inoperância da União está à vista. Como referia um editorial do jornal El País desta segunda-feira, dos 8.000 migrantes que 21 países da UE (os menos afetados) se dispuseram a receber, de acordo com critérios de proporcionalidade, apenas uma centena foram efetivamente distribuídos.

Ora, se entre 2015 e 2019 se verificou uma relativamente baixa chegada de migrantes, a partir de 2020 tem-se vindo a registar um crescimento acentuado de pessoas, vítimas de todo o tipo de exploração em terra e de elevadíssimos perigos na travessia do Mediterrâneo.

As alterações climáticas são um dos fatores estruturais que estão a levar muitos milhares de novos migrantes a abandonarem os seus locais de vida, sobretudo no Corno de África e na África Subsariana, e a pôr-se a caminho do Norte. Porém, a invasão da Ucrânia e a eclosão da guerra no país considerado o celeiro abastecedor de cereais de várias regiões do planeta, em particular de África, está a fazer com que a escassez de farinhas e de outros bens básicos faça subir os preços para valores incomportáveis, em muitos mercados de países em desenvolvimento.

Não é, assim, de estranhar que, só neste ano de 2022, com 11 meses decorridos, tenham chegado à UE mais de 275 mil migrantes em situação irregular, o que representa já uma subida de 73 por cento em relação a 2021. E nada indica que esta tendência galopante venha a estagnar ou regredir em 2023.

 

Um problema de natureza moral

migrantes © IOM 2020Alexander Bee

“Vamos continuar a assistir às cenas de vergonha de novos barcos carregados de migrantes carentes de ajuda, que nem sequer conseguem um porto para atracar?” Foto © IOM 2020 / Alexander Bee.

 

É certo que as políticas europeias não se centram apenas nesta frente, e verbas avultadas têm sido gastas em apoio ao desenvolvimento económico e à ajuda na melhoria de serviços sanitários e educativos nos países de origem das migrações. Mas, além do aspeto político, há aqui um problema de natureza moral, que deveria inquietar os responsáveis da União Europeia e todos os cidadãos que eles estão a representar.

Não é tolerável, à luz dos valores fundadores da União e das convenções dos direitos humanos, que se assista há largos anos a uma lógica económica que torna o Mediterrâneo objetivamente um cemitério de milhares e milhares de pessoas, incluindo crianças. Mas também não é tolerável que a Europa se vire para Norte e se una, e bem, para se solidarizar com as vítimas do desastre humanitário causado pela guerra na Ucrânia, e não se vire com a mesma determinação para Sul, de onde vêm os fugitivos das secas e dos dilúvios e também dos efeitos longínquos daquela mesma guerra (ainda que não só).

É verdade que a Comissão Europeia aprovou, uns dias antes da reunião dos ministros do Interior, um Plano de Ação para o Mediterrâneo Central, no qual se prevê a cooperação entre os Estados-Membros e uma ação integrada no terreno entre todas as partes interessadas. É também certo que reiterou, junto dos governos, que “prestar assistência a qualquer pessoa encontrada em perigo no mar até ao ponto de desembarque seguro, independentemente das circunstâncias que levem as pessoas a encontrarem-se nessa situação, é uma obrigação legal dos Estados-Membros da UE, conforme estabelece o direito internacional consuetudinário e convencional, bem como como o direito da União”. Contudo, tanto a experiência passada e recente como o cenário de um crescimento drástico de migrantes irregulares a demandarem a Europa não deveriam estar a mobilizar tempo, energias e recursos, traduzidos em planos de contingência, para enfrentar a situação?

Como é que os países que não têm diretamente o problema nas suas zonas costeiras ou nas suas zonas fronteiriças vão passar a ser efetivamente solidários com países como a Itália, a Espanha ou a Grécia? Em que medida as verbas altíssimas que a UE está a gastar para expulsar a larga maioria dos migrantes irregulares não permitiria pagar programas de acolhimento e inserção de pelo menos uma parte desses expulsos que se inseririam, depois, no mercado de trabalho? Vamos continuar a assistir às cenas de vergonha de novos barcos carregados de migrantes carentes de ajuda, que nem sequer conseguem um porto para atracar e com os dirigentes políticos a passarem a responsabilidade para os seus vizinhos? Em que medida estamos a exigir que os governos e outros atores políticos de cada Estado-Membro prestem contas das opções e ações que assumiram? Que valores devem orientar à definição de uma política de imigração e de asilo na União Europeia?

 

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