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Tive três filhos e perdi quatro. Por um deles, que não sobreviveu in utero, fui levada para uma ala da maternidade onde havia mulheres com os seus filhos, já nascidos ou prestes a nascer. Havia uma outra ala, a de quem estava para abortar.
Eu, com um filho não vivo dentro de mim, fiquei ali, ao pé das mães recentes e dos vagidos dos recém-nascidos, com tempo para ver e para pensar.
O mundo está cheio de experiências traumáticas de quem quis ser mãe e não foi, de quem foi mãe e não quis, de quem engravidou sem querer e assumiu, de quem engravidou querendo, mas se arrependeu, e de quem apenas não quis.
Fazer um aborto ou sofrer um aborto não é uma pera doce. Ninguém vai de ânimo leve retirar o apêndice ou um dente do siso, no final de contas é uma amputação: anestesia, intrusão, excisão, dor, antibiótico e uma marca para a vida. Só em último caso, esse apêndice e esse dente, só em último caso.
Ninguém olha de ânimo leve para essa gente que mata os gatos ou os cães à nascença, ninguém tolera tal atrocidade. E as baleias que perdem os seus filhos e andam semanas com eles às costas, mostrando o seu luto e a sua incapacidade de fechar o capítulo, sendo baleias?
O melhor seria não chegarmos aí. Não me parece não haver consenso quanto a isto: o melhor seria nenhuma mulher ser exposta a uma situação que a levasse a semelhante violência. E se o melhor seria nenhuma mulher abortar, o que está em causa é o desenvolvimento humano e o “empoderamento” feminino para que tal situação se evite, mais do que a total liberdade para que possa passar por isso uma e outra vez.
Ninguém que engravide pode dar à luz senão um filho. Por mais que se invoque isto e aquilo, por mais que se dirimam argumentos e dados de ciência, um óvulo fecundado vai sempre dar origem a um feto que vai dar sempre origem a uma pessoa. Por mais pequeno que seja, é o que será, como um bolbo será uma flor, e se destruímos o bolbo deixaremos de ver a flor.
O progresso civilizacional está em cuidar da vida frágil, não em destruí-la. Toda a vida frágil: a da mulher em mil apuros e também aquela que se prefigura, pequena e indefesa, mas cheia de promessa.
Estaremos aquém de nós mesmos, como humanidade, enquanto persistirmos em instituir direitos que nos destroem mais do que criar condições para que ninguém tivesse que escolher tal caminho. Não é bom. O melhor seria não abortar.
Dina Matos Ferreira é consultora e docente universitária. Contacto: dina.matosferreira@gmail.com