O Olival (um mistério de Paixão)

| 3 Abr 2021

Em Sexta-Feira Santa do calendário cristão, o 7MARGENS faz a proposta de excertos de um Mistério (drama), de Michel Pochet, selecionados e lidos pelo ator Júlio Martin. Em cada uma das partes, apresenta-se uma obra de arte, o texto e a gravação do mesmo.

 

Um anjo
Dina Figueiredo - Um anjo

Dina Figueiredo, vitral na Igreja da comunidade da “Casa Betânia”, em Parma, Itália.

Afugenta o medo
tu homem
afugenta o medo
do teu coração.
Afugenta o medo
da tua mente
afugenta o medo
da tua vida.
Afugenta o medo
que te oprime
afugenta o medo
tu homem
afugenta o medo
que te prendeu
afugenta o medo
a noite passa
afugenta o medo
que termine
afugenta o medo
eu sou o amigo
afugenta o medo
peço-te
afugenta o medo
tu homem
afugenta o medo
da tua vida!

 

O coro
Michel Pochet - O Coro

© Michel Pochet

 

Tu mereces a morte
porque curaste os leprosos
e confortaste os infelizes!
Tu mereces a morte
porque expulsaste os demónios
e perdoaste aos ladrões!
Tu mereces a morte
porque comeste à mesa
de pessoas pouco recomendáveis!
Tu mereces a morte
porque os teus modos pacíficos
fizeram fracassar a nossa política!
Tu mereces a morte
porque a tua misericórdia
foi um desafio à ordem
Tu mereces a morte
porque eras pobre
e enriqueceste os outros!
Tu mereces a morte
porque desafiando a nossa cólera
não condenaste o adultério!
Tu mereces a morte
porque confundiste
a hipocrisia das nossas virtudes!
Tu mereces a morte
A MORTE!

 

Jesus

Deus de Misericórdia. © Michel Pochet

Chegou o momento
tomem a minha vida
ela é vossa
desde o primeiro dia.
Não guardei nada,
não poupei coisa nenhuma
nenhum grão nos celeiros
nem dinheiro no banco
Tudo foi dado
nada me falta.
Chegou o momento
tomem a minha vida
ela é vossa
desde o primeiro dia.
Sempre vivi à luz do dia
nunca me desviei do caminho
não guardei nenhum segredo
nunca vos obriguei a dizer
as minhas pregações.
Chegou o momento
tomem a minha vida
ela é vossa
desde o primeiro dia.
Eu comi, eu bebi, eu rezei convosco
estive sozinho entre vós
eis-me aqui sem espada
sem escudo ou armadura
Aqui estou ao vosso alcance
É preciso que a injustiça se faça!

 

Pilatos

Rosto. © Michel PochetO que é a verdade, na verdade.
Gosto de ti, homem de olhos claros,
na verdade. Mas tenho medo.
Já não tenho idade para utopias
estou demasiado perto da reforma
para me permitir cometer um erro.
Se eu fosse jovem, pela aventura
ter-te-ia seguido, talvez.
Agora é tarde demais para loucuras
a vida roubou-me o desejo.
Vai à tua morte, profeta mudo.
Tentei de tudo para te salvar
e evitar um destino indigno.
Para te poupar apesar de ti próprio
mas tu quiseste fazê-lo à tua maneira
Estou inocente deste crime
assim como tu, eu sou vítima
do teu estranho destino.
A morte do justo
grita por vingança
ou por perdão?
Serás tu a liberdade
ou a maldição?
Tu és o rei dos judeus
homem frágil de dores
Sou eu que te digo
O que está escrito, permanece escrito.

 

Um homem

 

Dina Figueiredo, Jesus cai, vitral

Dina Figueiredo, Jesus cai, pormenor de vitral no Santuário Maria Theotokos, em Florença, Itália.

Quanto tempo ainda me resta
quanto tempo eu perdi
quanto tempo para preparar a minha morte
quanto tempo me dás tu?
Brevemente me apresentarei diante de ti
Brevemente saberei quem tu és.

Como eu gostaria de recomeçar a minha vida
seguir por um outro caminho
como eu gostaria de dar aos amigos
a esperança de um amanhã melhor.
Mas o mundo ao redor recusa o meu amor
A quem poderei dá-lo para sempre?

Foi perto da tua cruz que tu me chamaste
Com João e Maria eu chorei
eu era o ladrão que tu ouviste
Obrigado por me teres perdoado.
Esta noite entrarei no céu contigo
esta noite tu serás tudo para mim.

 

M
aria
Dina Figueiredo, Jesus na Cruz e Maria, vitral

Dina Figueiredo, Jesus na Cruz e Maria, pormenor de vitral no Santuário Maria Theotokos, em Florença, Itália.

Meu Deus, meu Deus, porquê?
porque o abandonaste?
Nesta hora ele não tem ninguém
nenhum apoio, nenhum amigo.
O medo dispersou os seus homens
e ele também me afastou.
Ele quis que nada alterasse
o seu amor filial pelo Pai.
Mas eu ouço que ele desespera.
Meu Deus, meu Deus, porquê?
porque o abandonaste?
A tua vontade era o seu alimento
ele sabia que todos o iriam trair
ele desprezava essa deslealdade
a sua fé em ti fortalecia-o.
Mas todo o seu corpo é uma chaga
e os seus pobres lábios blasfemam
de tal modo o seu espírito está torturado.
O seu abandono é extremo
Meu Deus, meu Deus, porquê?
porque o abandonaste?
Ele é ascensão e queda
para muitos desta região.
Ele é o sinal que enfrenta
a contradição ímpia
E eu, sou trespassada por uma espada
de um sofrimento infinito.
Eu não posso fazer nada para que acabe
a noite escura no seu espírito.

Meu Deus, meu Deus, porquê
porque o abandonaste?
Como ele, eu sei que és fiel
por ele eu me confio a ti
consinto apesar de me sentir revoltada.
Com ele, eu me submeto às tuas leis.
Eu te repito o incondicional
acordo, e coloco nas tuas mãos,
nosso pai que estais no céu,
com ele, o seu espírito e o meu.

 

Um homem
Dina Figueiredo, Maria com Jesus, vitral

Dina Figueiredo, Maria com Jesus, vitral na Igreja de São Luís, em Faro, Portugal.

Tinham-no estudado
psicanalisado
dessacralizado
desmistificado
e finalmente
declarado morto
de morte natural.
Então, tinham-no
embalsamado com cuidado
e propuseram
expô-lo
convenientemente
nas vitrinas do Museu
do Homem
entre a Cerâmica
pré-histórica
e a Vitória de Samotrácia
ligeiramente recuado
em relação às
Demoiselles d’Avignon.
Estavam um pouco entristecidos
pelo seu desaparecimento
tão súbito
na plena
força da idade.
Mas a história
com H grande
é inexorável.
Não era necessário fazer um drama.
Nada de irreparável.
Deus estava morto
Ponto. É tudo.
Logo começaram a partilhar
a sua túnica
entre as ciências humanas
e alguns vencedores do Prémio Nobel
tinham aceitado, dizem,
em marchar atrás
do caixão.
E depois eis que
por aqui e por acolá
se vê florir o seu nome
nas paredes das casas
sobre as blusas
das raparigas
nos lábios
e nos livros
com sentimento.
Esses diversos rostos
concorrem nas primeiras páginas
dos grandes jornais
do mundo.
Mas este não é um Deus
imperioso
poderoso e zangado
um Deus esotérico
como pensavas lembrar.
Não é um justiceiro
nem um líder de homens,
mas um Deus que perdoa
um Deus com coração palpitante,
de olhar doce.
E tu sentes
o encanto de um Deus louco
que confunde
os mais sábios.
Um Deus sem bagagens
que vem
como um ladrão
a qualquer hora
para te visitar
sem avisar antes.
Porquê?
Por nada,
para falar contigo
e para ti
das tuas coisas
Como se isso lhe interessasse
e ele não tivesse
mais nada para fazer.
Depois vai-se embora
sem avisar.
E então ficas triste
à sua procura
por todos os lados.
Mas com o coração quente
de ter amado
e de saber que mais cedo
ou mais tarde
e para nunca
mais acabar
Irão retomar
com a mesma paixão
a conversa que ficou
interrompida.

 

Vitral no Santuário Maria Theotokos, em Florença, Itália.

Vitral no Santuário Maria Theotokos, em Florença, Itália.

 

 

 

Michel Pochet é arquitecto, pintor e escritor. Actualmente dirige o centro internacional de arte “Centro Maria”, com sede em Roma. (Pochet, Michel. 1977. L’Olivaie. Paris: Nouvelle Cité.)

Dina Figueiredo é artista plástica.

Tradução e voz: Júlio Martín da Fonseca

 

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