
Padre Jalal Yako Iraque: “O Mundo não se pode esquecer de nós. Resta-nos a nossa dignidade porque não temos mais nada.” Foto © José Manuel Rosendo, cedida pelo autor.
Em Outubro de 2015, nos arredores de Erbil, no Curdistão iraquiano, o padre Jalal Yako lançava o desafio: “O Papa Francisco que venha ao Iraque!”. Um desafio e simultaneamente um pedido, em nome da esperança que os cristãos (e outras comunidades) iraquianos precisavam de ter, face ao sofrimento que estavam a passar.
Tinham fugido tão depressa quanto possível, levando parcos haveres, mas salvando a vida e evitando uma conversão forçada ao islão. Por essa altura, a organização Estado Islâmico (EI) estava no apogeu expansionista e dominava um vasto território na Síria e no Iraque. Mossul, no Iraque, tinha sido palco da proclamação do Califado. Esta declaração, em finais de Junho de 2014, foi motivo de preocupação internacional e obrigou à fuga de muitos iraquianos que viviam nos territórios que passaram a estar sob domínio do EI.
É conhecido o sofrimento yazidi nas montanhas de Sinjar, no noroeste do Iraque, e com os cristãos passou-se algo muito semelhante. As várias cidades ao redor de Mossul, por exemplo Qaraqosh e Bashika, viram partir praticamente toda a população. Em Qaraqosh as igrejas foram destruídas. Yazidis, cristãos e todos os que receavam o EI, encontraram refúgio no Curdistão iraquiano.
Foi aí, no norte do Iraque, que encontrei o padre Jalal Yako. Tinha fugido de Qaraqosh e era o responsável pelo campo de refugiados Ashty 1, que albergava 265 famílias cristãs, em contentores com fogão à porta. Havia uma igreja improvisada (ver fotografia) e a missa era celebrada três dias por semana.
A cada gesto e a cada olhar do padre Jalal Yako ficava evidente o desespero e a ausência de uma ideia que fosse, para ajudar a resolver o drama que a presença do EI provocava. A cada pergunta, o padre abria os braços com a palma das mãos viradas para cima ganhando tempo para respostas que não tinha. Mas houve uma pergunta que lhe provocou um sorriso e resposta imediata: “Gostava que o Papa viesse ao Iraque?”. Claro que sim: “É muito importante para nós. Basta chegar, acenar e pode ir-se embora. Seria muito importante para nós.”
Nesse dia, para além do pedido ao Papa Francisco, o padre Jalal Yako deixou uma mensagem ao mundo, em aramaico, a língua de Jesus Cristo: “O Mundo não se pode esquecer de nós. Resta-nos a nossa dignidade porque não temos mais nada. Queremos protecção do mundo quando regressarmos às nossas aldeias. O Iraque é o nosso país e nós queremos voltar às nossas casas, por que é melhor para as pessoas viverem no seu próprio país. Não há nada mais doce. Pedimos a todas as pessoas e organizações que fiquem ao nosso lado, mas sentimos que os governos não nos estão a apoiar”.
Uma mensagem que traduz tudo: desespero, mas também fé e vontade de ficar no sítio a que se pertence. Jalal Yako acrescentou que para os cristãos não deixarem o Médio Oriente, seria importante a presença do Papa no Iraque.
Entretanto, o EI e o Califado foram derrotados, mas permanecem sinais da presença do EI no Iraque e na Síria. Há também relatos de cristãos que temem a atitude das milícias (xiitas) pró-iranianas que combateram o EI e que controlam agora alguns dos locais de onde os cristãos fugiram, e a que alguns já regressaram.
Nas duas últimas décadas a população cristã no Médio Oriente tem vindo a diminuir drasticamente. Os números variam consoante as fontes e falta saber se a visita do Papa Francisco vai ter o efeito que o padre Jalal Yako pretendia, em 2015, quando lançou o desafio para uma visita do Papa ao Iraque.
Tenho pena de não regressar agora ao Iraque para voltar a encontrar o padre Jalal Yako e para testemunhar o momento histórico da primeira visita de um líder da Igreja Católica. A visita do Papa Francisco ao Iraque decorre entre 5 e 8 de Março.
José Manuel Rosendo é jornalista da Antena 1 e tem feito reportagem em vários países do Médio Oriente; o texto foi publicado em simultâneo no blogue Meu Mundo Minha Aldeia, do qual é autor.