
O drama do tráfico humano. Foto © ONU
A CAVITP – CIRP (Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal), quer assinalar o dia 18 de Outubro – Dia Europeu Contra o Tráfico de Pessoas com uma pequena antologia de textos do Papa Francisco sobre o Tráfico de Seres Humanos (TSH).
A Comissão decidiu fazer ouvir a voz do Papa Francisco, não só porque ele se tem pronunciado sobre este flagelo todos os anos, durante o seu pontificado e em diversas situações, mas também porque é uma palavra credível, dentro e fora da Igreja Católica. Não podemos ignorar este crime que atravessa todas as sociedades.
Destaco três aspectos que o Papa repete, frequentemente, ao falar sobre o TSH:
- “É um crime contra a humanidade, uma ferida no corpo da humanidade contemporânea”;
- “É um problema mundial que precisa de ser tomado a sério pela humanidade no seu conjunto” e, por isso, “devemos unir forças para libertar as vítimas e deter este crime”, unir forças de autoridades policiais e de organizações sociais e religiosas; “é necessário promover um compromisso sinérgico por parte das diversas realidades eclesiais”;
- Além da ignorância, a indiferença e cumplicidade são os desafios que temos de enfrentar neste trabalho de sensibilização, educação e coordenação, chegando a dizer que “por vezes parece que há também pouca vontade de compreender a vastidão do problema”.
A 12 de Dezembro de 2013, no seu discurso aos novos Embaixadores junto da Santa Sé, alertou: “O tráfico de pessoas é um crime contra a humanidade. Devemos unir as forças para libertar as vítimas e deter este crime, cada vez mais agressivo, que ameaça não só as pessoas individualmente e os valores basilares da sociedade, mas também a segurança e a justiça internacionais e ainda a economia, o tecido familiar e a própria convivência social.”
Em Abril de 2014, disse aos participantes no Encontro sobre o Tráfico de Pessoas: “O tráfico de seres humanos é uma ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo. Trata-se de um delito contra a humanidade. O nosso encontro aqui, para unir os nossos esforços, significa que desejamos que as estratégias e competências sejam acompanhadas e fortalecidas pela compaixão evangélica, pela proximidade aos homens e mulheres que se tornaram vítimas deste crime.
“Aqui encontram-se reunidas autoridades policiais, comprometidas na luta contra este triste fenómeno mediante os instrumentos e o rigor da lei; e, ao mesmo tempo, agentes humanitários, cuja tarefa principal consiste em oferecer acolhimento, animação humana e possibilidade de resgate das vítimas. Trata-se de duas abordagens diferentes, mas que podem e devem progredir juntas. Dialogar e confrontar-se a partir destas duas abordagens complementares é muito importante. Por este motivo, encontros como este são de grande utilidade, diria necessários.”
Na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz (2015) lembrou: “Desde tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenómeno da sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
“Hoje, na sequência duma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa humanidade – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
“Mas, apesar de a comunidade internacional ter adoptado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
“(…) Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos. Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim.
“(…) Quando se observa o fenómeno do comércio de pessoas, do tráfico ilegal de migrantes e de outras faces conhecidas e desconhecidas da escravidão, fica-se frequentemente com a impressão de que o mesmo tem lugar no meio da indiferença geral.”
Na ONU, a 25 de Setembro de 2015, declarou: “O mundo pede vivamente a todos os governantes uma vontade efectiva, prática, constante, feita de passos concretos e medidas imediatas, para preservar e melhorar o ambiente natural e superar o mais rapidamente possível o fenómeno da exclusão social e económica, com as suas tristes consequências de tráfico de seres humanos, tráfico de órgãos e tecidos humanos, exploração sexual de meninos e meninas, trabalho escravo, incluindo a prostituição, tráfico de drogas e de armas, terrorismo e criminalidade internacional organizada. Tal é a magnitude destas situações e o número de vidas inocentes envolvidas que devemos evitar qualquer tentação de cair num nominalismo declamatório com efeito tranquilizador sobre as consciências. Devemos ter cuidado com as nossas instituições para que sejam realmente eficazes na luta contra estes flagelos.”

Foto © sammisreachers | Pixabay
Em 2016, no Encontro sobre o TSH, promovido pela RENATE (Rede Europeia Contra o Tráfico de Pessoas), disse aos participantes: “Uma destas feridas abertas mais dolorosas é o tráfico de seres humanos, uma forma moderna de escravidão, que viola a dignidade, dom de Deus, em tantos dos nossos irmãos e irmãs e constitui um verdadeiro crime contra a humanidade. Enquanto muito foi feito para conhecer a gravidade e a extensão do fenómeno, muito mais está à espera de ser feito para elevar o nível de consciência na opinião pública e para estabelecer uma melhor coordenação de esforços por parte dos governos, das autoridades judiciárias e legislativas e dos agentes sociais.
“Como bem sabeis, um dos desafios a este trabalho de sensibilização, educação e coordenação, é uma determinada indiferença e até cumplicidade, uma tendência por parte de muitos a olhar para o outro lado (cf. Exortação apostólica Evangelii gaudium, 211) enquanto poderosos interesses económicos e redes criminosas estão em acção. Por esta razão exprimo o meu apreço pelo vosso compromisso a fim de aumentar a consciência social acerca da dimensão desta chaga, que atinge especialmente as mulheres e as crianças. Mas de modo totalmente especial agradeço-vos o vosso fiel testemunho do Evangelho da misericórdia, como é demonstrado pelo vosso esforço na recuperação e reabilitação das vítimas.”
No Domingo, 30 de Julho de 2017, na Praça de S. Pedro, lembrou mais uma vez: “Celebra-se hoje o Dia Mundial Contra o Tráfico de Pessoas, promovido pelas Nações Unidas. Todos os anos milhares de homens, mulheres e crianças são vítimas inocentes da exploração laboral e sexual e do tráfico de órgãos, e parece que nos habituámos de tal maneira que a consideramos normal. Isto é mau, é cruel, é criminoso! Desejo chamar todos a comprometer-se para que esta chaga aberrante, esta forma de escravidão moderna, seja adequadamente contrastada. Rezemos juntos à Virgem Maria para que ampare as vítimas do tráfico e converta os corações dos traficantes.”
A 12 de Fevereiro de 2018, no IV Dia Mundial de Oração e Reflexão Contra o TSH, observou: “Certamente acerca do tema do tráfico há muita ignorância. Mas por vezes parece que há também pouca vontade de compreender a vastidão do problema. Porquê? Porque toca de perto as nossas consciências, porque é escabroso, porque nos faz envergonhar. Depois há quem, mesmo conhecendo-o, não quer falar dele porque está no final da “cadeia do consumo”, como utilizador dos “serviços” que são oferecidos pelas estradas ou na Internet. Por fim, há quem não quer que se fale dele, porque está diretamente envolvido nas organizações criminosas que lucram muito com o tráfico. Sim, é necessária coragem e honestidade, quando no dia a dia encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos, ou quando devemos escolher comprar produtos que poderiam ter sido realizados através da exploração de outras pessoas.”
A 26 de Setembro de 2019, no seu discurso, exortava os Participantes na Assembleia Geral de Talitha Kum / UISG (Rede Internacional Contra o TSH – União Internacional das Superioras Gerais), dizendo: “Dada a magnitude dos desafios colocados pelo tráfico, é necessário promover um compromisso sinérgico por parte das diversas realidades eclesiais. Se, por uma parte, a responsabilidade pastoral é confiada, essencialmente, às Igrejas locais e aos Ordinários, é também desejável que estes últimos possam participar na planificação e na acção pastoral das congregações religiosas femininas e masculinas e organizações católicas presentes no seu território, para que o trabalho da Igreja seja mais oportuno e eficaz.”
Em 2020, na encíclica Fratelli Tutti (24), não esqueceu este grande flagelo do nosso tempo: “Reconhecemos igualmente que, apesar de a comunidade internacional ter adotado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura. (…) Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. (…) Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim. As redes criminosas “utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo”. E a aberração não tem limites quando são subjugadas mulheres, forçadas depois a abortar; um acto abominável que chega mesmo ao sequestro da pessoa, para vender os seus órgãos. Isto torna o tráfico de pessoas e outras formas actuais de escravatura num problema mundial que precisa de ser tomado a sério pela humanidade no seu conjunto, porque assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objetivos, assim também a acção para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes actores que compõem a sociedade.”
Selecção e apresentação de Maria Julieta M. Dias, Religiosa do Sagrado Coração de Maria e membro da CAVITP