O Papa Francisco, o cineasta Scorsese e como contornar a crueldade
Scorsese perguntou e o Papa respondeu. O encontro deu-se no Vaticano, aquando do lançamento do novo livro Sharing The Wisdom of Time (editado já no Brasil pela Loyola, com o título A Sabedoria das Idades), que reúne entrevistas e reflexões de vários idosos de todo o mundo.
Na tarde de dia 23 de Outubro, o Papa Francisco respondeu a perguntas de novos e velhos. O realizador norte-americano, de 75 anos, convidado de honra, foi o último a colocar a sua questão. Na sua intervenção, reproduzida em vídeo no Vatican News, falou da sua infância em Nova Iorque e do sofrimento que via à sua volta quando saía da igreja. Fazendo uma analogia com o “mal” que ainda hoje se vê pelo mundo, perguntava: “Como podemos nós, idosos, dar força e guiar os jovens e o que eles têm de passar na vida? Como podemos ajudar jovens mulheres e homens a sobreviver a este furacão? Como podemos ajudar a Igreja neste caminho?”
Em resposta, Francisco falou de como se deve ultrapassar a crueldade do dia-a-dia: “É na verdade um furacão. Mesmo quando éramos crianças havia um fenómeno que sempre existiu, mas não era assim tão forte: o bullying; hoje, vê-se mais claramente o que a crueldade pode fazer numa criança. (…) Como ensinar, como transmitir aos jovens que a crueldade é um caminho errado, um caminho que mata, não só a pessoa, também a humanidade, o sentimento de pertença à comunidade?”
A isto, o Papa argentino propõe que se responda em três frentes: o choro, algo “humano e cristão” que “abre e amolece o coração”; a empatia entre idosos e jovens tentando “não condenar os jovens, como os jovens não devem condenar os idosos”, e valorizando a “empatia da transmissão de valores”; e a proximidade “com quem sofre” e entre jovens e velhos.
Referindo-se ao uso da violência nas relações interpessoais e sociais, o Papa acrescentou: “A tortura é como uma bofetada na cara, é jogar com a dignidade das pessoas. A violência para sobreviver, a violência em alguns bairros nos quais, se tu não roubas, não comes. Isso faz parte da nossa cultura, é a verdade e devemos reconhecê-la.”
Também a italiana Fiorella Bacherini, 83 anos, professora de italiano junto de migrantes e refugiados, disse ao Papa: “Olho para o meu país e para o mundo e vejo cada vez mais divisão e violência. Por exemplo, tenho visto a dureza e crueldade que se tem verificado no tratamento de refugiados. Não quero falar de política, estou a falar de humanidade. É fácil cultivar o ódio entre as pessoas. Recordo momentos e memórias da guerra que experimentei em criança. Com que sentimentos enfrenta este momento difícil na história do mundo?”
Citado pelo Crux, o Papa respondeu que é verdade que muitos jovens não compreendem os danos da guerra, que deixavam mortes e destruição. E referiu a ascensão de governantes populistas, usando como exemplo Adolf Hitler e alertando: “Semear o ódio. Não se pode viver semeando ódio”.
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