
” É certo, no entanto, que raramente as potências europeias conseguiram ter uma política de desenvolvimento digna em África, onde a perspetiva extrativa, infelizmente, prevaleceu durante séculos.” Banco Central Europeu, em Frankfurt. Foto: António Marujo
Dezembro de 2019 parece que foi há muito tempo, não tivesse, entretanto, o mundo mudado por causa da covid-19. No entanto, remonta à fase inicial do mandato da Comissão Europeia, que ainda tem muitos anos para cumprir. Foi nesse mês que Ursula von der Leyen foi a Adis Abeba reunir-se com Moussa Faki, presidente da Comissão da União Africana. O objetivo fundamental foi o de se discutir uma parceria estratégica e a gestão migratória.
Enquanto portugueses sabemos bem qual a ligação que os povos europeus tiveram e têm com África. Partilhamos um passado relativamente comum, para o bem e para o mal. É certo, no entanto, que raramente as potências europeias conseguiram ter uma política de desenvolvimento digna em África, onde a perspetiva extrativa, infelizmente, prevaleceu durante séculos. Ainda assim, ultrapassados os processos de independência, volvidas as gerações que por ela lutaram e consolidado o projeto europeu, a realidade parece mostrar que há espaço daqui para a frente para a cooperação entre iguais.
No entanto, os EUA atrasaram-se quatro anos na sua política externa com um presidente errático e sem estratégia. Já a União Europeia enleia-se em enredos internos, tropeça nas faltas de unanimidade de um Conselho cansado no seu conceito e a ideia de uma Política Externa ativa e verdadeiramente comum caminha em passos modestos.
É neste quadro que a China avança em força, num conjunto de iniciativas de influência económica que acabam em influência política e de perda de autonomia africana. O crescimento económico chinês dos últimos 25 anos foi à volta de uns impressionantes 10% ao ano. De acordo com o Banco Mundial, saíram da pobreza extrema 850 milhões de chineses, desde 1978. Este crescimento tem gerado uma sucessiva necessidade de matérias-primas e energia, até porque a China não é um país com muitos recursos naturais para a sua população. Isto acontece quer pelos seus grandes investimentos públicos, quer por ter uma classe média cada vez numerosa. Além desta perspetiva do lado das importações, existe ainda o lado exportador. Numa economia que cresceu virada para a exportação, urge a necessidade de escoar a produção para outros mercados emergentes.
Em 2009, a China já era o primeiro parceiro comercial de África. A nível petrolífero, por exemplo, o atual maior importador do mundo recorre intensamente ao Sudão e a Angola. Já o urânio, para a energia, vem especialmente da Namíbia e do Níger. Muitos outros minérios são importados de África, como o ferro, o cobre, o zinco ou o cobalto. Estima-se que um terço do investimento chinês em África se destine a esse sector. Por país, a esmagadora maioria dos países africanos já tem na China o seu principal parceiro de origem das importações. Já nas exportações de África para a China, países como Angola, Congo, Zâmbia ou o Sudão do Sul já têm mais de 30% das suas exportações afetas ao país asiático. Até a África do Sul, uma das mais fortes economias regionais, tem entre 15% a 30%. Moçambique, Etiópia ou Níger entre 10% a 15%.
Além disto, um dos grandes fatores que contribui empiricamente para a armadilha da pobreza são os endividamentos sucessivos e/ou impagáveis. A China tem desenvolvido investimentos – sobretudo por via de empréstimos – avultados naquele continente. Entre 2000 e 2017, os governos angolano e etíope receberam mais de 10.000 milhões de dólares da China. No primeiro caso ligado sobretudo ao setor do minério e o segundo ao transporte, dois setores que dominam, além da energia, os principais empréstimos para África.
Os mais variados dados económicos demonstram, de forma inequívoca, uma África cada vez mais dependente da economia chinesa e, consequentemente, da política planificadora e centralizada do governo chinês.
No anterior mandato da Comissão, a Europa avançou a bom ritmo no que aos acordos comerciais diz respeito, como o exemplo do Japão e do Mercosul. Com os atuais e limitados instrumentos em áreas como a Política Externa que a Europa tem, não há dúvidas que o nosso peso comercial e a regulação que lhe está associada são uma das nossas maiores “armas” para cooperar e desenvolver regiões, beneficiando ambas as partes. Temos ainda importantes instrumentos nacionais e supranacionais de ajuda ao desenvolvimento para poder ajudar, por exemplo, na gestão dos fluxos migratórios e das alterações climáticas. Existem de facto, ferramentas que já hoje podem contribuir para um trabalho mais estreito com o continente africano.
É por isso necessária uma Europa que olhe mais para África, percebendo o seu passado nesta histórica relação, a atual posição frágil dos EUA e o avanço do Partido Comunista Chinês que não pede licença. Essa será uma Europa mais independente nos seus valores e nas suas políticas a nível global, mas também uma Europa que procura, sem vergonhas, fazer espalhar os seus interesses além-fronteiras, numa ótica inclusiva e não extrativa.
João Catarino Campos é economista pelo ISEG – Lisbon School of Economics and Management, atualmente no Mestrado em Economia Internacional e Estudos Europeus pelo mesmo Instituto; e é vice-presidente da Comissão Executiva do Conselho Nacional de Debates Universitários.