
Colmeia: uma verdadeira graça ver este filme nestes tempos. Foto: Direitos reservados.
Em tempo de Páscoa e nestes dias ainda violentos da guerra na Ucrânia, quando tantas mulheres tiveram de fugir com os filhos, deixando os seus maridos, foi uma verdadeira graça ver o filme Colmeia, da realizadora kosovar Bertha Basholli.
Também por esses dias, coincidência interessante, tinha lido um artigo da teóloga espanhola Cristina Inogés Sanz, no 7MARGENS, com este título: A Ressurreição e as abelhas, que começava por dar conta de um projecto, no Haiti, à volta das abelhas, e que escrevia mais adiante: “Quando falamos de ressurreição, o nosso pensamento vai logo para a ressurreição final; no entanto, estas ressurreições quotidianas onde o Ressuscitado se faz presente custam-nos mais a ver. Quanto nos custa ver aquilo que é evidente! Nisto somos parecidos com as abelhas. Milhares delas passarão por este projecto e só verão o mel que produzem, nada mais…. E sem elas não haveria vida!”
É desta ressurreição que nos fala o filme de uma forma belíssima e serena, apesar de todas as tensões e conflitos e tristezas. Naquela aldeia – que parece mesmo uma colmeia – a maior parte dos homens mais jovens foram para a guerra. Não se sabe se estão vivos ou se foram mortos, espera-se a chegada de corpos e procura-se alguma maneira de os identificar. O que vemos sobretudo são mulheres indefinidamente “viúvas”, numa sociedade profundamente machista, patriarcal e opressiva que não tolera nem compreende que elas continuem a levar a vida para a frente e assumam o cuidado da família, enquanto esperam, ao mesmo tempo que lutam.
No centro do filme, que parte de uma história verídica, está Fahrije, cujo marido desapareceu na guerra do Kosovo, e que vai corporizar essa luta significada no seu rosto duro e a maior parte das vezes fechado. Com o apoio e a insistência de outras mulheres, na mesma situação que ela, vai tirar a carta de condução, para assim conseguirem criar e pôr a funcionar uma pequena empresa de produção de ajvar, uma especiaria típica daquelas latitudes e muito apreciada. Criticada e atacada (sobretudo ela) por todos, até pela filha adolescente, para quem essa determinação da mãe significava esquecer o pai, ela não vai desistir.
E não era verdade a acusação da filha. Antes pelo contrário. Daí esse detalhe, mais ou menos subtil, que está presente, desde o início: a aliança no dedo. A realizadora parece fazer questão de nos obrigar a ver muitas vezes a aliança no dedo de Fahrije. E mesmo no final, já depois de ela ter ido identificar roupas que poderiam ser do seu marido – mas que ela diz que não são (será por querer continuar a acreditar que ele está vivo e ter assim uma razão para esperar?) –, o filme termina com ela vestida de apicultora. E o que vemos na mão estendida é uma abelha e a aliança mais visível do que nunca. A aliança com todo o peso que carrega, mas ainda mais com toda a força do amor que a fez lutar e vencer. E continuar a esperar.
“Há pessoas que nos dão a vida através do seu testemunho e do seu compromisso. Dão-nos a oportunidade de desfrutar da vida como ela deve ser, de amor dado”, escreve ainda Cristina Sanz. É esse o testemunho deste filme inquietante sobre a perseverança e a luta daquela(s) mulher(es) que teve de cerrar os dentes, mas que guarda um imenso amor e uma imensa ternura, bem mostrada na forma como trata e cuida do seu sogro. E que, dessa maneira, vai conseguir congregar as outras mulheres e até mudar mentalidades. Uma forma de ressurreição.
Colmeia, de Blerta Basholli
Título original: Hive
Com Yllka Gashi, Çun Lajçi, Aurita Agushi, Kumrije Hoxha
Drama, M/12
Macedónia/Kosovo/SUI/Albânia, 2021, Cores, 84 min.
Manuel Mendes é padre católico e pároco de Esmoriz (Ovar). Este texto foi inicialmente publicado no número de Junho 2022 da revista Mensageiro de Santo António.