
“Ao crescer, a Comunidade foi-se organizando por vários ministérios e cada um dos seus membros era chamado a pôr a render os seus talentos ao serviço de todos. Só assim o presbítero poderia assumir o seu, dizia.” Padre Armindo na cerimónia do lava-pés. Foto © Margarida Ferreira.
Por viver na área geográfica, já frequentava o Mosteiro (assim lhe chamávamos na época) quando o Arlindo chegou à Serra. Tinha então 14 anos.
Lembro-me de uma das primeiras grandes lutas: “missas de casamentos, funerais, e baptizados” eram fontes de receitas da irmandade que então administrava o Mosteiro da Serra do Pilar. E da clara mensagem do Arlindo, tão revolucionária à época: “Os sacramentos são para se dar; não são para se vender.” De facto, nunca, na Comunidade Cristã da Serra do Pilar que então nascia, se levou ou aceitou dinheiro por uma celebração, fosse ela qual fosse.
De sinal em sinal, a Comunidade foi-se afirmando e crescendo… e eu fui descobrindo uma Igreja do mundo, de liturgias por onde passava a vida da gente, e de onde voltávamos, desinstalados, para o Mundo.
Porque, como tantas vezes nos lembrava o Arlindo: o lugar dos leigos é no mundo e é lá, na ganga dos dias, que devem ser Luz e Sal, implicar-se, meter “as mãos na massa”. Dizia-nos muitas vezes: “Um cristão deve ter sempre o Evangelho numa mão e o jornal na outra!”
Ao crescer, a Comunidade foi-se organizando por vários ministérios e cada um dos seus membros era chamado a pôr a render os seus talentos ao serviço de todos. Só assim o presbítero poderia assumir o seu, dizia. Sem nunca esquecer a importância do serviço da presença, que fazia de cada um de nós um membro activo e participante de todas as celebrações.

Fui fazendo parte de vários ministérios na Comunidade, e fui um dos elementos da Presidência Leiga, num período em que o presbítero Arlindo foi fazer um doutoramento a Salamanca e quatro leigos assumiram esse ministério.
Fui-me fazendo, desfazendo e refazendo nos vários desafios que o Arlindo me foi lançando ou eu fui assumindo na Comunidade, mas nenhum deles me marcou mais que o primeiro: quando, enquanto responsável pelo primeiro ano de catequese – tinha então 20 anos – descobri a Escarpa da Serra do Pilar e um grupo de crianças a quem tudo faltava, sobretudo amor.
E “caí do cavalo”.
Eram cerca de dez crianças.
Vinham para se inscrever na catequese, mas naquele primeiro ano, a nossa preocupação – porque assumimos o desafio em Comunidade, com o grupo da Partilha Fraterna, o Conselho e várias famílias da Comunidade a terem um papel fundamental – foi garantir-lhes as refeições e fazê-las experienciar valores cristãos. Lembro-me da primeira vez que colocámos as travessas de pão com manteiga e os copos de leite na mesa… e da voracidade com que os atacaram e se gladiaram para conseguirem comer tudo mais rápido que os outros…. e de vermos, emocionados, alguns meses volvidos, por altura do Natal numa festa onde estava o Arlindo, essas mesmas crianças ajudarem a pôr a mesa de forma serena, e a partir e repartir os pães para que dessem para todos em igual medida.
Uma Comunidade Cristã sonhada pelo Arlindo, alimentada no Espírito e alicerçada na capacidade de Comunhão de todos. Com uma Mesa sempre posta para os que estavam e para os que chegavam, e uma Porta sempre aberta, por onde todos entravam e muitos foram saindo em diferentes momentos da sua vida ou da vida da Comunidade.
Nunca mais encontrei, ao longo da minha vida, um outro espaço onde gente tão diferente, se reunisse para celebrar e dizer e viver a Fé em comum unidade. Uma fé adulta, que não se refugiava na segurança de um grupo fechado, mas que descia o monte, promovendo o diálogo com outras religiões, a divulgação da cultura e da arte e valorizava os espaços de convívio e de lazer como formas de cimentar as relações e de refazer o tecido social. Sempre com Graça; sempre de Graça.
O Arlindo sabia “soprar” a centelha divina que existe em cada um de nós e ajudar-nos a ser a melhor versão de nós próprios; a valorizar as nossas fragilidades, a descobrir nas nossas incapacidades lugares de partilha e de superação; lutando tantas vezes contra as nossas limitações; outras tantas enfrentando as dele, que eram muitas também.
“Oração, conheço uma: o Pai Nosso”, dizia-nos, a oração que nos foi entregue por Jesus e que faz de todos nós iguais pelo baptismo e irmãos em Cristo – um Povo de Santos, um Povo a Caminho, que sabe que o “Olhai como eles se amam” se faz de respeito pela diferença, de tolerância, de diálogo e da capacidade de nos amarmos ao ponto de nos “aturarmos uns aos outros”, como tão bem dizia S. Paulo.
Não estou na Serra há já muitos anos, mais de 20!, mas a Comunidade Cristã da Serra do Pilar a que pertenci e o seu presbítero, o meu querido amigo Arlindo, estarão sempre em mim… já não saberia viver sem a sua companhia.
Um abraço, Arlindo!
Voltaremos a encontrar-nos, na única Festa que não terá fim!
Margarida Ferreira, 60 anos, é formada em Direito pela Universidade Católica do Porto; trabalha em Itália, numa empresa do sector mobiliário como responsável dos mercados europeus, Rússia e antigas repúblicas soviéticas.