
“Deus fez todo o cosmos e viu que tudo era bom. Ele fez as estrelas e a luz e mais o universo.” Foto © Felix Mittermeier: / Pexels
No tempo dos Reis Magos é altura de desfazer o presépio e guardá-lo para o ano seguinte. Este ano, porém, vejam bem!, comecei a pensar na “humanidade animalesca” que ele encerra e como nós cristãos e cristãs podemos pedir perdão pela forma desastrosa como tratamos os animais – os seres viventes não-humanos, como ousamos classificá-los. No presépio, segundo uma tradição muito antiga, existiam diversos atores que lhe davam a dimensão do quão cósmico era o menino lá nascido. Ali estava o pai e a mãe, os pastores e os chamados reis magos, mas também o burrinho, a vaquinha, que serviram para aquecer Jesus, as ovelhas, o anjo que lhe dá a ontologia da espiritualidade. Chamar a todos eles uma “sociedade animalesca”, parece que não estará muito de acordo com uma “sociedade de convívio fraterno”, em que se tornou o presépio. Já no Cântico de Daniel (capítulo 3: 56- 88), muito antes do de São Francisco de Assis, o autor dizia “Céus, bendizei o Senhor. Anjos do Senhor, bendizei o Senhor. Águas que estás sobre os céus, bendizei o Senhor…Sol e lua bendizei o Senhor…estrelas do céu…chuvas e orvalhos…todos os ventos…bendizei o Senhor.” E, a finalizar, “santos e humildes de coração, bendizei o Senhor”. Então surge o cântico de São Francisco de Assis a tratar todos eles e elas como irmãs e irmãos.
Lembro-me muito bem do que o meu pai dizia de uma cadelita que tinha: quando chegava ao princípio do bairro, bastava tilintar as chaves, ela saltava de contente e não sabia se o meu pai ia de gravata ou roto, sabia, isso sim, que era aquela pessoa que ansiava que chegasse a casa; ou então, do porquinho da minha irmã que sentiu a partida da minha mãe, embora não estivesse ao lado dela. Chamar a isto “sociedade animalesca”, é o mesmo que não saber quem é Jesus, o Cristo, não saber o que é o “presépio cósmico” e tirar ilações ilícitas. Há muitos casais que queriam ter filhos e não os podem ter, há muitas pessoas que, por determinadas leis – não naturais, diga-se – lhes é imposto não ter filhos.
Deus fez todo o cosmos e viu que tudo era bom. Ele fez as estrelas e a luz e mais o universo. Ele fez os animais não-humanos para que se amassem e não se esquecessem que fazem parte deste cosmos, e fez o homem e a mulher para que com todos a amizade fosse sempre uma fidelidade. Nunca nos esqueçamos que existem os seres humanos, os seres vivos não humanos e os inertes. É que estes [os inertes] também fazem parte da humanidade, e falam-nos de tantas coisas – as pedras contam-nos histórias de encantar –, e ninguém está à parte desde cosmos presente no presépio.
Todos juntos formamos uma sociedade onde o convívio é fraterno, e se não for assim estaremos perante uma “sociedade animalesca”.
(Vale a pena ler sobre estes temas: Animales Y Teologías – Revista Concilium n.º 397, Septiembre 2022, Editorial Verbo Divino; Yudhijit Bhattacharjee (2022) Em que pensam eles, National Geographic.)
Joaquim Armindo é diácono católico da diocese do Porto, doutorado em Ecologia e Saúde Ambiental.