O que não está, mas brilha

| 18 Mar 2023

“Há alguns dias, fui incitada a dizer o que era, para mim, a Páscoa. Nessa esmagadora, ou talvez libertadora, impossibilidade, posso saber que apenas vou crendo nela, quando me debruço no parapeito do vivido e sigo, caindo no que não está, mas brilha.” Foto © Ydlabs / Freepik

 

Há alguns anos, numa mesa de café, uma mulher contou-me uma história. A sua infância acontecera numa casa muito pobre, iluminada apenas por brasas numa lata, num chão de terra. Era sobre estas que, com o dedo, desenhava, e as cores-fogo surgiam na escuridão que rouba as coisas de lugar.

Descreveu-me aquele ritual de criança, a dança quente entre a vida a preto e branco, como um fio de luz ao fundo que nos parece chamar, uma “possibilidade de saída feliz, aquele caminho”, que durante toda a vida procuramos.

Porém, um dia desequilibrou-se dentro desse encantamento e caiu. O seu rosto ficou queimado e as suas pestanas demoraram a despertar. Os seus olhos fecharam-se durante meses, como num tempo suspenso e silencioso, como a terra depois de um incêndio.

Lembro-me de me despedir dela e de descer a Estrela para ir trabalhar, apontando o que me disse. A mulher que caiu dentro de uma promessa de imagens, com três anos de vida, descobriu-se, mais tarde, fotógrafa e artista plástica. Penso, então, nesse episódio como uma espécie de profecia, uma profecia por um triz, porque à beira do desastre. Pela fotografia, mover-se-ia pela vontade de ser testemunha, guardar vestígios do vivo, inacabar, resistir ao que se apaga para sempre.

Este encontro abriu-me uma fissura, a partir da qual pude experimentar aquele consolo que o sentido nos entrega. Ela deu-me a ver o pressentimento que me acontece quando o Sol se põe, o de que há algo que se religa no que se acende e que todo o dia esperou. Os corpos nascem com essa promessa que antecede toda a ruína e que, pela inquietação, pela esperança, resiste nesta, apesar de. Trata-se de uma misteriosa confiança originária de que somos criadas para a Alegria.

Há alguns dias, fui incitada a dizer o que era, para mim, a Páscoa. Nessa esmagadora, ou talvez libertadora, impossibilidade, posso saber que apenas vou crendo nela, quando me debruço no parapeito do vivido e sigo, caindo no que não está, mas brilha.

 

Raquel Luiz descreve-se como feminista e anticapitalista. É formada em Ciências da Comunicação e Estudos Portugueses. Neste momento, trabalha na área da Educação. Pertence ao movimento Sopro e ao Laboratório de Teatro e Política. 

 

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Em Lisboa

Servas de N. Sra. de Fátima dinamizam “Conversas JMJ”

O Luiza Andaluz Centro de Conhecimento, ligado á congregação das Servas de Nossa Senhora de Fátima, acolhe na próxima quinta-feira, 30 de março, a primeira de três sessões do ciclo de “Conversas JMJ”. Esta primeira conversa, que decorrerá na Casa de São Mamede, em Lisboa, pelas 21h30, tem como título “Maria – mulheres de hoje” e será dedicada ao papel da mulher na sociedade atual.

Entre o argueiro e a trave

Entre o argueiro e a trave novidade

E o Papa Francisco tem sido muito claro ao dizer-nos que as situações graves não podem ser tratadas de ânimo leve. “Nunca serão suficientes as nossas palavras de arrependimento e consolação para as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja. (Opinião de Guilherme d’Oliveira Martins).

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Prevista pena de morte

ONU pede veto da lei contra homossexuais no Uganda, Igreja em silêncio

Uma nova legislação aprovada pelo Parlamento ugandês esta semana prevê penas de até 20 anos de prisão para quem apoie “atividades homossexuais” e pena de morte caso haja abusos de crianças ou pessoas vulneráveis associados à homossexualidade. O alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU, Volker Turk, já pediu ao presidente do país africano que não promulgue esta “nova lei draconiana”, mas os bispos do país, católicos e anglicanos, permanecem em silêncio.

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

Após reunião com Comissão Independente

Corpo Nacional de Escutas suspende alegado abusador de menores

O Corpo Nacional de Escutas (CNE) suspendeu preventivamente um elemento suspeito da prática de abusos sexuais de menores, depois de ter recebido da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica a informação de sete situações de alegados abusos que não eram do conhecimento da organização. Em comunicado divulgado esta sexta-feira, 24 de março, o CNE adianta que “está atualmente a decorrer o processo interno de averiguação, para decisão em sede de processo disciplinar e outras medidas consideradas pertinentes”.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This