
O encontro A Economia de Francisco vai realizar-se em Assis, “lugar que o Papa afirma ser o melhor símbolo de uma mensagem de humanismo e fraternidade”.
Ainda não se aperceberam? Pois então despachem-se porque faltam poucos dias.
Faltam poucos dias para quê? Eu bem me parecia que andavam distraídos do facto de que, a partir do dia 22 de setembro e até ao dia 24, se vai realizar em Assis o primeiro grande encontro presencial sobre a Economia de Francisco. No último dia estará presente o Papa Francisco que, com os participantes, vai assinar um Pacto para mudar a economia atual e atribuir uma alma nova à economia de amanhã. O Pacto é um compromisso com a Economia de Francisco, com vista a uma mudança global nos termos em que funciona a economia e em como se produzem e distribuem os seus resultados.
E tem este evento muita importância? O encontro é a primeira reunião global a realizar-se, presencialmente, depois do lançamento do movimento pelo Papa Francisco através da sua Carta Apostólica de 1 de maio de 2019. Encontros anteriores (por exemplo em março de 2020) não puderam ser presencialmente levados a cabo, em razão da pandemia, mas tiveram lugar no formato digital.
Antes de falarmos do Encontro de Assis com início no próximo dia 22, importa analisar onde é que o Papa quer chegar, com esta iniciativa, com quem e de que modo. Com muita oportunidade, o professor Américo Mendes escreveu, já há algum tempo, que estamos perante um tema luminoso, mas que não pode ser reduzido a um simples evento, o de Assis ou qualquer outro. Em vez de um evento temos, antes, perante nós, um novo advento que não é um acontecimento muito bem situado no tempo, mas antes um caminho de conversão permanente.
A mensagem principal de Francisco é a de colocar a fraternidade no centro da economia. Com efeito, uma economia fraterna não encontra espelho na economia atual. Para que o encontre terá de ser uma economia diferente, que faz viver em vez de matar, que inclui e não exclui, que humaniza em vez de desumanizar, que cuida da criação em lugar de a devastar.
O funcionamento da economia terá de estar sujeito a princípios que estão radicalmente afastados dos que têm conduzido ao estado em que a economia se encontra. Mas a nova economia não está à mão na loja ao lado. Terá de ser paciente e duravelmente construída, exigindo o compromisso permanente de muitos, de todos, e durante muito tempo:
– No respeito pela salvaguarda do meio ambiente;
– Com a prática da justiça em relação aos pobres;
– Com a busca de soluções para os problemas estruturais da economia, corrigindo os modelos de crescimento atuais que são incapazes de garantir o respeito pelo meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das gerações vindouras;
– Na construção de um modelo económico novo, fruto de uma cultura da comunhão e baseado na fraternidade, na equidade e na justiça;
– Através da busca e adoção de outras modalidades de entender a economia e o progresso, combatendo a cultura do descarte e dando voz a quantos não a têm;
– Fazendo da economia um instrumento portador de paz, de igualdade e de sustentabilidade.
À economia de boa esperança a que Francisco deu esta configuração rapidamente se começou a designar por Economia de Francisco. Mas atenção, apesar da multiplicidade de confusões, este Francisco do título não é o de Roma, mas o de Assis, lugar que o Papa afirma ser o melhor símbolo de uma mensagem de humanismo e fraternidade, porque foi aí que Francisco de Assis se fez pobre com os pobres e irmão universal.
E quem é que é convocado para fazer esta nova economia?
Na sua Carta de 1 de maio de 2019, Francisco convoca-nos a todos, porque entende que “todos somos chamados a rever os nossos esquemas mentais e morais, para que estejam mais em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum”. É verdade que convidou, de modo especial os jovens, nas instituições de formação, no mundo do trabalho, ou como empresários, porque sendo eles que detêm o futuro, são eles os principais protagonistas da mudança.
Tendo havido este convite especial, rapidamente e em muitos lugares ele foi transformado em convite exclusivo retirando do palco o “todos somos chamados” que Francisco tinha em primeiro lugar enunciado. Não poucas vezes os jovens que tinham recebido o “convite especial” foram enquadrados por menos jovens que procuraram orientar o que poderiam vir a ser as suas iniciativas, porventura com receio de que mais uma iniciativa de Francisco se viesse a transformar numa aventura corrosiva da ordem até aqui estabelecida. Pensarão que tudo está e ficará bem se nos ficarmos pela mudança do discurso sem que nada de estrutural se altere.
É para que isso não continue a acontecer que todos teremos de dizer que estamos presentes, fazendo das nossas comunidades ecos vivos e sementeiras viçosas da nova economia. Não podemos permitir-nos que a Economia de Francisco seja um objeto de adorno que, nas nossas igrejas, nas nossas comunidades, nos nossos meios de comunicação apenas surja nos momentos em que se tem de enfeitar discursos ou outros eventos.
É tempo de voltarmos ao Grande Encontro de Assis. Os três dias do acontecimento são um tempo forte de reflexão e de compromisso com o percurso já feito e com o que ainda falta fazer para realizar a Economia de Francisco. Para eles são convocados, sobretudo, os jovens, mas convém evitar duas tentações. A primeira é a de pensar que fazer a Economia de Francisco é realizar uns encontros de vez em quando, proporcionando ambiente de festa que é sempre indispensável à mobilização, sobretudo dos jovens. A segunda, porventura mais grave, é o de acreditar que se os mais novos estão envolvidos então os que o não são poderão pousar descansados.
Feito o alerta para as perversidades vejamos o que há de substancial no Encontro de Assis. São três dias, cada um deles com uma temática específica, embora interligadas. Os três terminarão na manhã do dia 24 com a assinatura de um Pacto em que estará envolvido o Papa Francisco.
No primeiro dia, o mote será o de celebrar o encontro propriamente dito: a alegria do encontro e a apresentação dos resultados do trabalho até agora realizado. Pela minha parte gostaria que no fim do encontro nos dissessem como é que os que não foram a Assis se podem empenhar na operacionalização desses resultados.
No dia 23, os participantes do encontro vão estar voltados para o futuro. Em vários locais de Assis (aldeias) os participantes procurarão descobrir o que poderão fazer sobre questões tão importantes como: a agricultura e a justiça, estilos de vida, gestão e dom, finanças e humanidade, políticas para a felicidade, as mulheres na economia, a pobreza e a gestão energética, etc. Sem dúvida, desafios plenos, para toda uma vida, para cada um e para a vida em comum. Estou extremamente ansioso por tomar conhecimento do que nos dirão sobre o que irão ver nessas digressões pelas aldeias.
No terceiro e último dia, teremos a presença e as palavras do Papa Francisco. Depois de descobrir como é que os jovens estão a tomar como tarefa sua a Economia de Francisco, ele vai formalizar o compromisso dos jovens através da assinatura com eles de um Pacto sobre o futuro que querem construir e no qual vão estar envolvidos.
Depois do evento dos jovens cabe-nos a nós receber os empenhamentos objeto do Pacto para a mudança global e, através da sua operacionalização, introduzir-lhe a seiva que a sabedoria dos mais velhos é capaz de dar.
Manuel Brandão Alves é professor catedrático (aposentado) do ISEG, Universidade de Lisboa.