O refugiado não é apenas um migrante

“Acolher um refugiado é um dever ético incontornável.” Foto © ACNUR
Importa perceber que os refugiados são migrantes, mas as razões que os levam a deixar os seus países são bem diferentes e mais dolorosas que as da maioria dos migrantes. Estes, em regra geral, procuram melhorar as suas condições económicas. Os refugiados fogem a perseguições, prisões políticas, torturas, discriminações desumanas… Não por serem pessoas criminosas, mas somente por pensarem diferente dos regimes que governam os seus países, professarem religiões que não a dominante, fazerem opções políticas opostas às praticadas, aderirem a grupos que defendem direitos humanos fundamentais. O simples migrante procura subsistir, o refugiado quer sobreviver. Acolher um migrante é uma decisão solidária. Fazê-lo a um refugiado é um dever ético incontornável.
Em dezembro de 2000, a assembleia geral das Nações Unidas instituiu o dia 20 de junho como Dia Mundial do Refugiado. Para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, este dia constitui-nos na obrigação de reconhecer e valorizar a coragem, a força para conquistar a liberdade de todas as mulheres, homens e crianças forçadas a deixar para trás as suas casas e família para conseguirem ser tratadas como pessoas e respeitadas na sua dignidade.
Acolher refugiados não é um inútil esforço. Em muitos países, inclusive Portugal, os migrantes e refugiados preenchem lacunas no mercado de trabalho ao colmatarem insuficiências de mão-de-obra. Os sectores mais abrangidos são o turismo, serviços e agricultura. Os empregos que lhes são oferecidos estão, muitas vezes, em categorias profissionais muito pouco qualificadas. São trabalhos sem atratividade, com árduas condições, por vezes a tocar a escravatura, e níveis elevados de insegurança. Mesmo nestas circunstâncias, é significativo o contributo para a economia dos países de acolhimento que, para além do trabalho prestado, pagam impostos e as taxas devidas ao sistema da Segurança Social.
Diante do crescimento de fundamentalismos e o aumento de conflitos armados fratricidas, o número de refugiados não para de crescer. A Organização das Nações Unidas (ONU) deveria ter autoridade para aplicar sanções a países que violem direitos humanos naturais, que são os que se aplicam a qualquer pessoa; têm caráter universal, imutável e atemporal.
Os países que integram a ONU, não só os que compõem o Conselho de Segurança, deveriam convergir no sentido de se encaminharem para a construção de nações alicerçadas em indicadores humanos de solidariedade e cooperação e, assim, assumirem a responsabilidade pelo desenvolvimento humano integral e pela proteção e participação das pessoas em movimento, de modo especial os refugiados. Um compromisso deste tipo implica o reconhecimento de que as migrações, independentemente das causas que as motivam, são uma oportunidade para as nossas sociedades construírem uma “casa comum” mais próspera e global, onde todos possam participar e viver com dignidade.
Os Governos de qualquer país só têm legitimidade para exercerem a prática governativa se defenderem e protegerem os migrantes forçados. Onde for necessário, há que rever o quadro legislativo de modo a suprir faltas na proteção e inclusão de refugiados, requerentes de asilo e trabalhadores migrantes, incluindo trabalhadores sazonais, temporários, assim como assegurar a reunificação familiar e proteção dos membros da família.
Compete aos Governos garantir que os empregadores não descartam as suas responsabilidades garantindo condições dignas de trabalho; compete-lhes investir, incondicionalmente, no combate contra o tráfico de seres humanos – um dos negócios mais rentáveis do mundo –, bem como todas as formas de exploração; compete-lhes promoverem a consciencialização da população em geral, mas fundamentalmente dos cidadãos e cidadãs que trabalham em serviços públicos e organizações da sociedade civil relacionados com os direitos humanos e a multiculturalidade; compete-lhes reforçarem a capacidade, formação e mandados de inspeções laborais, para que cheguem a todos os locais de trabalho onde os trabalhadores migrantes estão concentrados.
Ao referir-se à crise pandémica que atravessa o mundo, o Papa Francisco, na sua mensagem para o 106.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (que a Igreja Católica assinala no próximo dia 27 de setembro), afirma: “Este não é o tempo para o esquecimento. A crise que estamos a enfrentar não nos faça esquecer muitas outras emergências que acarretam sofrimentos a tantas pessoas.” Na mensagem, Francisco faz seis recomendações: (i) É preciso conhecer para compreender; (ii) É necessário aproximar-se para servir; (iii) Para reconciliar é preciso escutar; (iv) Para crescer é necessário partilhar; (v) É preciso coenvolver para promover; (vi) É necessário colaborar para construir.
Somos um povo a caminho da “terra da salvação”. Não esperemos que ela esteja só ao nosso alcance após a “passagem” para a vida eterna, mas comecemos a construí-la desde já aqui e agora.
Eugénio Fonseca é presidente da Cáritas Portuguesa
[Nota do 7MARGENS: A propósito deste Dia Mundial do Refugiado, o projecto Global Sisters Report, do National Catholic Reporter, disponibizou um livro electrónico sobre algumas situações de refugiados no mundo, nomeadamente América Latina, Europa, Médio Oriente e África. As pessoas interessadas podem aceder ao livro, em inglês, nesta ligação.]
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