
“Monjas italianas escolheram Portugal e estabeleceram-se aqui. Neste lugar aberto às montanhas azuis, ao longe; terra ressequida de xisto.” Foto © Maria Eugénia Abrunhosa.
Filha de Trás-os-Montes e Alto Douro, acolhi com muita alegria a notícia da construção de um Mosteiro Cisterciense Trapista no planalto mirandês. Monjas italianas escolheram Portugal e estabeleceram-se aqui. Neste lugar aberto às montanhas azuis, ao longe; terra ressequida de xisto: urze, estevas, plantas rasteiras, juntamente com velhos carvalhos e sobreiros. Terra amarela do centeio. Cabras, ovelhas, vacas – o que resta. Nas aldeias, casas fechadas, tantas…
Terra escalavrada, seca, que as monjas estão a transformar num jardim: em dois anos, de intenso trabalho, há já pomares, colmeias. Jovens mulheres arrancam pedras pesadas com as mãos, colocando-as depois num atrelado para tractor. Sobretudo, há o silêncio da abundância, da felicidade sem limites, nos cantos das vozes femininas, abraçando terra e céu. Nas Horas devidas, na capela da Hospedaria do Mosteiro Trapista.
Em seguida, transcrevo uma curta entrevista à Madre Giuseppina, Superiora do Mosteiro.
“A coisa mais interessante na vida é conhecer Jesus Cristo”

Madre Giuseppina, onde nasceu?
Em Cremona, perto de Milão.
Quando entrou para o Mosteiro – agora Monastero Trappiste, Victorchiano, Itália?
Aos 24 anos; há 34 anos que estou no Mosteiro.
Por que razão escolheram Portugal para fundar o vosso Mosteiro?
Portugal foi, por tradição, terra cisterciense. Foi também pela fé viva presente no santuário de Fátima. Portanto, pela Nossa Senhora de Fátima.
Mas porque escolheram Trás-os-Montes, interior pobre, abandonado, esquecido, em Portugal?
O bispo da Bragança–Miranda – é agora arcebispo de Braga – soube que estávamos interessadas em fundar em Portugal um mosteiro. E disponibilizou-se a encontrar um lugar. E foi aqui.
Muito bem: pertíssimo de Palaçoulo, perto de Miranda do Douro e não muito longe de Mogadouro. Interessante… neste momento, o estaleiro da construção do Mosteiro está em plena efervescência. Quando estará pronto?
Disseram-me que estará pronto em Agosto de 2023.
A Hospedaria do Mosteiro terá quartos para cerca de 40 hóspedes. Neste momento, devido ao Mosteiro estar em construção, tem disponíveis 5 quartos para hóspedes (faço aqui um parêntesis: o Mosteiro não apresenta um preço fixo para os hóspedes; estes pagam segundo as suas possibilidades). No resto do espaço, vive a comunidade que iniciou o arranque: a Madre e 9 monjas. Têm recebido muitos hóspedes?
Sim, temos geralmente tudo ocupado, no Verão. Portugueses, na sua maioria, e também espanhóis.
Quais foram os principais obstáculos que encontraram? Como foram recebidos pelos habitantes? Têm já alguns terrenos plantados, amendoeiras… bem precisam, para fazer os diversos e deliciosos biscoitos de amêndoas; um pomar de diversas árvores de fruto; colmeias…
No primeiro ano da nossa estadia, o Inverno foi muito frio, vinham também duas monjas com covid. Este último Inverno foi mais ameno. Mas o Verão é muito quente. Bom, há um enraizamento progressivo… As pessoas, no início, prestaram-nos auxílio, nas questões relacionadas com a saúde, relativas ao à covid e outras. Fomos muito bem recebidas pelos habitantes.
Qual é o estado de espírito agora, da comunidade?
Isto é um desígnio do Senhor. O Senhor é fiel e cheio de misericórdia. Não temos que nos lamentar.
O que pensa da actual situação da Igreja católica? O Sínodo, em especial.
A Igreja é um porto de segurança e de paz. Faz parte da vida e do caminho da Igreja o que se passa agora.
Quer dizer alguma coisa aos leitores do 7Margens?
A coisa mais interessante na vida é conhecer Jesus Cristo, Verdadeiro Deus e Nosso Salvador.
700 anos em Portugal

Os Mosteiros Trapistas pertencem à Ordem de Cister, ou Cisterciense, fundada por três abades nos fins do século XI: o primeiro, Roberto de Molesmes com 21 monges; depois, Alberico; o terceiro, Estêvão Harding [1]. Posteriormente, em 1112, «Bernardo de Claraval – mais conhecido devido ao seu nível espiritual – entrou em Citeaux com 30 amigos. Foi assim que começou a florescer Citeaux e a espalhar-se por toda a Europa» [2].
Baseando-se na Regra de S. Bento (cujo autor é Bento de Núrsia, 480-547, fundador da Ordem Beneditina), a Ordem de Cister pretendia «restabelecer um equilíbrio entre a Oração Litúrgica, Trabalho, e Lectio Divina. Desejavam simplificar a Oração litúrgica» [1]. Os próprios monges voltaram a fazer trabalho manual, o que antes não acontecia. Além disso, aconselhava-se a construção do mosteiro em espaços de silêncio; enfim, procurar um maior despojamento. [2]
“Em 1791, o Abade da Igreja de Nossa Senhora de Trapa (França), juntamente com 22 monges, funda os Mosteiros Trapistas da Ordem de Cister” [1], “baseando-se numa clausura mais rigorosa: mais silêncio, mais afastamento do mundo, mais jejum”. [2] Existem duas ordens trapistas: – Ordem Cisterciense da Comum Observância (OCCO); – Ordem Cisterciense da Estrita Observância (OCSO). [1] “O primeiro e mais conhecido foi o Mosteiro de Alcobaça, oferecido pelo rei D. Afonso Henriques ao próprio S. Bernardo.” [2] Mas um decreto de 1834 extinguiu todos os conventos em Portugal.
Resta ainda muita coisa, desses mosteiros cistercienses: o de S. João de Tarouca, conservando ainda a sua majestade (Tarouca, perto de Lamego); o de S. Pedro das Águias (Tabuaço, Alto Douro); o de Sta. Maria do Bouro (Braga), e muitos, muitos mais. Mosteiros cistercienses femininos: os primeiros, fundados pelas três filhas de D. Sancho I (século XIII): D. Teresa, o Mosteiro de Sta. Maria do Lorvão (perto de Coimbra); D. Sancha, o de Sta. Maria de Celas (Coimbra); D. Mafalda, o Mosteiro de Arouca (Aveiro). Mas houve mais.
O Mosteiro Cisterciense Trapista de Palaçoulo representa um novo começo de vida da Ordem de Cister que floresceu durante tanto tempo em Portugal, enriquecendo de diversas maneiras a cultura do país.
Por isso devemos estar muito gratos à Madre e às monjas italianas, provenientes do Monastero Trappiste Victorchiano, que desbravando terra de cultivo estão a criar raízes cistercienses, com vigor e com a fé em Jesus Cristo, Nosso Salvador.
Notas:
[1] – Farinha, José Luís dos Santos, «Buscadores de Deus»- no caminho cisterciense – 700 anos de vida monástica cisterciense, Paulinas editora, 2006.[2] – notas da Madre Guippine, Mosteiro Trapista de Palaçoulo.