As Igrejas Ortodoxas celebram a festa de S. João Crisóstomo no dia 26 de Novembro (dia 13 do mesmo mês, no calendário juliano). Nascido em Antioquia (viveu entre 347-407), esteve sujeito aos vexames dos partidários de Arius e, em rotura com a Igreja Egípcia, assimilou contradições culturais, conservando independência de espírito. Exprimiu-se através de fórmulas doutrinais inatacáveis que o levaram ao Patriarcado de Constantinopla. Indesejado pelo poder civil e religioso, devido às suas denúncias dos vícios no poder civil e eclesiástico, em defesa dos pobres, partiu para o exílio, ali morrendo. Deixou a fórmula da liturgia que ainda hoje é usada e partilhada pelos ortodoxos de todo o mundo.
S. João Crisóstomo foi um defensor da Santíssima Trindade contra os seguidores de Arius e outros grupos que, naquela época, negavam a consubstancialidade hipostática da Trindade, posição que tornou relevante no texto e simbologia da sua Divina Liturgia.
Ficou para a posteridade como o incansável mensageiro da Boa Nova e eloquente proclamador da Santíssima Trindade.

“João Crisóstomo foi um defensor da Santíssima Trindade contra os seguidores de Arius e outros grupos que, naquela época, negavam a consubstancialidade hipostática da Trindade.” Ilustração: Ícone de S. João Crisóstomo.
Existem diferenças conceptuais entre o catolicismo romano e a ortodoxia sobre a Trindade. A ortodoxia manteve-se no conhecido dogma do Filioque: o Espírito Santo apenas provém do Pai e com o Filho recebe a mesma adoração e glória. Na Igreja Romana emerge do Pai e do Filho (concílios de Toledo, 675, e Latrão, 1215).
O Segundo Concílio Ecuménico (Constantinopla, 381) proclama que o Pai é a fonte única da Divindade: o Filho é gerado pelo Pai antes de todos os tempos; o Espírito Santo procede do Pai antes de todas as idades. Este dogma indica o valor absoluto e irredutível da multiplicidade (três Pessoas divinas) e da unidade (uma única Natureza Divina).
O Símbolo da fé ortodoxa é o Credo (Niceia, 325, e Constantinopla, 381), que faz parte integrante da liturgia ortodoxa, que se projecta, com a sua proclamação em voz alta por todos e uma atitude física afirmativa da assembleia, seguindo o modelo de Kerigma de Jesus na sinagoga (Lucas 4, 21).
A liturgia ortodoxa é um complexo de texto, cantos, gestos, atitudes, iconografia do lugar e objectos.
Nas igrejas e capelas ortodoxas a Santíssima Trindade é ensinada pelo ícone que se encontra na parte superior da iconóstase, logo abaixo da cruz cimeira, numa linha única ou no centro da primeira linha dos profetas, quando não é possível o destaque.

O fiel entra na igreja ou capela e acende três velas – colocadas diante dos santos ícones, ou no canto “bom” junto às portas sul ou dos diáconos; simbolizam a Luz de Cristo que alumia o ser humano, renova a esperança, consola e acompanha nas horas de solidão, na confissão da Trindade indivisível, pela glorificação do Pai (Mateus 5,16), a Luz transfiguradora do Filho (Mt 17,2) e a Graça do Espírito Santo (Mt 5, 14-16). A luz projectada é plural e única no suporte que a sustém.
Entretanto, os celebrantes vão chegando do exterior e colocam-se diante das Portas Santas da iconóstase, fazem três vénias proclamando a Glória da Trindade e suplicam-lhe piedade, pedindo a Deus a purificação dos pecados, a Jesus o perdão das iniquidades e ao Espírito Santo a cura e guia nas enfermidades (materiais e espirituais). Prosseguem depois com orações de súplica e preparação.
Dentro do espaço santo e depois das orações de paramentação, inicia-se a preparação dos santos dons, com a emulação do cordeiro (através de um pedaço de pão que será repartido e em comemorações diversas na patena), incensado e oferecido a Deus, como um perfume espiritual, que retorna pela presença de Cristo no altar e a graça do Espírito Santo.
Prosseguindo na liturgia dos catecúmenos, a invocação da Divina Trindade ocorre várias vezes nas orações e litanias, mas também na importância do canto, como por exemplo em Oh Filho Único, que expõe a teologia da salvação.
O canto do Trisagion, uma das orações mais antigas do cristianismo, antes da leitura do Prokimenon (um verso litúrgico ou passagem bíblica cantada ou lida antes da leitura da epístola, que serve como uma introdução ao tema desta leitura particular) da Epístola e noutros momentos litúrgicos, que proclama as qualidades de Deus; é um cântico de aclamação, repetido três vezes, que exalta a Glória da Santíssima Trindade.
A solenidade da Grande Entrada, que remonta ao cristianismo primitivo, é acompanhada com o canto dos querubins à vivificante Trindade, introduzindo no espaço um ambiente de grande ascese, alegria e exaltação da fé, esperança e transfiguração pessoal.
A saudação da paz, que deve ser transmitida desde o celebrante até aos fiéis numa cadeia sucessiva, é acompanhada pela declaração vigorosa, pelo coro e fiéis, da indivisibilidade das pessoas da Trindade, após o que aquele se coloca perante os santos dons, agitando o grande véu (o aër – que representa o voo dos anjos) e com todos a proclamar o Credo num momento cénico único, onde a confissão na Santíssima Trindade é quase central.
A Epiclese – evocação da descida do Espírito Santo sobre os sacramentos – é um momento de enorme importância na liturgia, que se reconhece na Anunciação, no Batismo e na Transfiguração, em que o celebrante se dirige ao Pai, para que Cristo esteja presente no cálice, transfigurado pelo Espírito Santo.

Após a comunhão, ocorre a Acção de Graças, que na celebração da Páscoa e outras festas, todos proclamam a indivisível Trindade, cantando com muita alegria A Verdadeira Luz.
Os ícones ortodoxos são portadores de um código inerente à sua teologia; e no que respeita à Trindade, existem elementos específicos que distinguem aquelas imagens de outras utilizadas por várias confissões. Por exemplo, a existência de estrelas, cruzes ou flores em número de três no manto da Virgem é identificador de escrita ortodoxa. Dos mais célebres ícones da Trindade destaca-se o que foi escrito por André Roublev, muito reproduzido em todo o mundo.
O sinal da cruz, comum nas igrejas cristãs, tem movimentos diferentes. Na ortodoxia, o Pai, escrito no centro por linha vertical que se inicia na testa até ao início do ventre, como o tronco principal de uma árvore, não recebe um ramo perpendicular, mas antes um primeiro toque no ombro direito (Filho) e um segundo toque no ombro esquerdo (Espírito Santo), a que no conjunto se associa simbolicamente a Cruz.
Noutros momentos litúrgicos, quem preside à celebração apresenta-se com três velas unidas pela base e cingidas por uma fita, simbolizando a indivisibilidade da Trindade e invocando a sua bênção. Apesar da grande importância das preces, da frequente glorificação da Santíssima Trindade e de uma festa que lhe é dedicada, não existem gestos demasiado relevantes nas acções litúrgicas; localmente podem ter sido acrescentados alguns sinais evocativos – como por exemplo a presença de três velas nos batistérios e funerais –, mas que não são de matriz litúrgica.
A Festa da Divina Trindade celebra-se, na ortodoxia, no dia seguinte ao Pentecostes, enquanto que na Igreja Católica Romana é no domingo consecutivo.
Existem correlações diferentes nas interpretações das representações simbólicas da Divina Trindade. Enquanto que em algumas confissões a teologia procede da sapiência (de baixo para cima), na ortodoxia resulta de uma procura profética (de cima para baixo) que procede da revelação bíblica que se plasma nas representações que cada um tem: gestos, objectos e cânticos.
Desde os textos do Novo Testamento podemos recolher ensinamentos preciosos sobre o simbolismo adotado na liturgia. Entre outros destaco alguns teólogos menos referidos e que têm belíssimos textos sobre a Trindade, como sejam: Hilário de Poitiers (300-368), que escreveu as primeiras exposições contra o arianismo e, mais recentemente, os conhecidos Jean-Yves Leloup, Sergei Boulgakov e Olivier Clément, entre outros.
A seguir, pode ouvir-se o Hino dos Querubins, na divina liturgia ortodoxa celebrada no Mosteiro de Svetogorskaya Lavra, na Ucrânia:
Alberto Teixeira é cristão ortodoxo