
“Quando se pensa em seguir um caminho ideológico, o Sínodo termina”, alertou o Papa Francisco no voo de regresso da Mongólia. Foto © Vatican Media.
Das dez perguntas feitas ao Papa pelos jornalistas que o acompanharam esta segunda-feira, 4 de setembro, no voo de regresso da viagem apostólica à Mongólia, três foram sobre o Sínodo, cuja primeira assembleia geral ordinária arranca dia 4 de outubro, em Roma. Face à curiosidade e preocupações dos repórteres, que não serão autorizados a acompanhar diretamente o evento, Francisco assegurou que “no Sínodo não há lugar para ideologia” e que, não se tratando de “um programa televisivo” nem de “um parlamento”, haverá espaço para o “intercâmbio religioso” e para o “diálogo”… e será “abertíssimo”.
“Não há hipótese de ser um pouco mais aberto com os jornalistas?”, questionou uma jornalista. “Haverá uma comissão [de informação] presidida pelo [Paolo] Ruffini que vai dar notícias todos os dias, mas mais aberto não sei…”, respondeu Francisco, acrescentando: “É bom que essa comissão seja muito respeitosa com as contribuições de cada um e tente não fazer mexericos, mas dizer coisas precisamente sobre o andamento sinodal que são construtivas para a Igreja”. A tarefa desta comissão, reconheceu Francisco, “não é fácil”. Mas o que tem a fazer é “dizer: hoje a reflexão vai por este lado, vai assim, e transmitir o espírito eclesial, não político”, explicou.
Confrontado com as críticas de que o Sínodo tem sido alvo [ver 7MARGENS], o Papa optou por contar um episódio que viveu. “Há alguns meses, liguei para um Carmelo. ‘Como estão as monjas, madre superiora?’ Era um Carmelo não italiano. E a priora respondeu-me. E no final disse-me: ‘Santidade, temos medo do Sínodo’. ‘Mas o que se passa?’ – disse eu a brincar. ‘Querem enviar uma irmã para o Sínodo?. ‘Não, temos medo que mude a doutrina’. Francisco explicou depois que “existe esta ideia… mas se formos adiante na raiz dessas ideias, encontraremos ideologias”. Na verdade, o que acontece é que “defendem uma doutrina entre aspas, que é uma doutrina como a água destilada, não tem sabor de nada e não é a verdadeira doutrina católica, que está no Credo”, disse o Papa aos jornalistas.
Assim, para Francisco, “o Sínodo é diálogo, entre os batizados, entre os membros da Igreja, sobre a vida da Igreja, sobre o diálogo com o mundo, sobre os problemas que afetam a humanidade hoje”. E “quando se pensa em seguir um caminho ideológico, o Sínodo termina”, alertou o Papa, porque “no Sínodo não há lugar para ideologia, há espaço para o diálogo. Para confrontar uns aos outros, entre irmãos e irmãs, e confrontar a doutrina da Igreja, seguindo em frente”.
“Talvez não tenha sido feliz” nas declarações aos jovens russos

Os perigos das ideologias foram também abordados por Francisco numa pergunta anterior a estas e aquela em cuja resposta mais se alongou. Tratou-se de uma questão sobre as declarações que dirigiu, no passado dia 25 de agosto, a um grupo de jovens católicos russos e que despertaram fortes críticas da parte de responsáveis políticos e religiosos ucranianos [ver 7MARGENS].
Apesar de o Vaticano já ter emitido um comunicado a esclarecer o que de facto o Papa pretendia dizer com essas declarações, Francisco não se escusou a explicar melhor: “no final do diálogo, dei-lhes uma mensagem, uma mensagem que repito sempre: assumir a sua herança. (…) Digo o mesmo em todos os lugares. E também com esta visão tento estabelecer o diálogo entre avós e netos”.
Além disso, o Papa diz que procurou “tornar a herança explícita”. “Mencionei, de facto, a ideia da grande Rússia, porque a herança russa é muito boa, é muito bonita. Pensemos no campo da literatura, no campo da música, até chegar a Dostojewski que hoje nos fala de um humanismo maduro”, afirmou, reconhecendo que o que disse a seguir “talvez não tenha sido feliz”. “Falando sobre a grande Rússia no sentido, talvez não tanto geográfico, mas cultural, lembrei-me do que nos ensinaram na escola: Pedro I, Catarina II. E veio esse terceiro (elemento, ndr), que talvez não seja muito justo. Não sei. Que os historiadores nos digam!”, referiu o Papa.
E resumiu: “O que eu disse aos jovens russos é que assumam a sua herança, que cuidem da sua herança, o que significa não comprá-la em outro lugar. Pegar na sua herança. E que herança a grande Rússia deixou? A cultura russa é bonita e muito profunda; e não deve ser cancelada por causa de problemas políticos”, assegurando: “eu não pensava no imperialismo quando disse isso, falei sobre cultura, e a transmissão da cultura nunca é imperial, nunca; é sempre diálogo, e eu falava disso”.
Para o Papa, o problema surge “quando a cultura é destilada e transformada em ideologia”. E isso aplica-se também à Igreja, insistiu. “Muitas vezes, dentro da Igreja introduzem-se ideologias que separam a Igreja da vida que vem da raiz e sobe; elas separam a Igreja da influência do Espírito Santo”, afirmou. “Devemos também distinguir na Igreja entre doutrina e ideologia: a verdadeira doutrina nunca é ideológica, nunca; está arraigada no povo santo fiel de Deus; em vez disso, a ideologia está desvinculada da realidade, desvinculada do povo…”, concluiu.