O sonho que Maria Lía quis partilhar com o Papa Francisco (Documento)

| 23 Mar 2021

María Lía Zervino. Papa Francisco

María Lía Zervino com o Papa Francisco: “Agradeço sobretudo por tentar dar à Igreja o rosto feminino que a identifica com a sua ternura, a sua proximidade e a sua misericórdia.” Foto: Direitos reservados.

 

Há muitas mulheres que são, pela sua natureza, “tão ou às vezes mais talentosas do que os homens” e que “estão já prontas para servir!”, escreve María Lía Zervino, que preside à União Mundial das Organizações Femininas Católicas (UMOFC). Essa é a dimensão do sonho que esta responsável acalenta e que resolveu partilhar com o Papa Francisco, numa carta aberta que lhe escreveu, a propósito dos oito anos de pontificado, que se completaram no passado dia 13.

“Sonho com uma Igreja com mulheres capazes de serem juízas em todos os tribunais onde se julgam as questões matrimoniais, nas equipas de formação de cada seminário, mulheres que exerçam ministérios como a escuta, a orientação espiritual, a pastoral da saúde, o cuidado do planeta, a defesa dos direitos humanos, etc. (…) E sonho que durante o seu pontificado inaugure, ao lado dos sínodos dos bispos, um sínodo diferente: o sínodo do povo de Deus, com uma representação proporcional do clero, consagrados e consagradas, e leigos.”

Na carta, publicada há dias na página da UMOFC, Maria Lía Zervino, que integra a Associação das Virgens Consagradas Servidoras, fundada na Argentina, congratula o Papa pela dinâmica de renovação que imprimiu ao seu pontificado e acrescenta que tem vontade de ir mais longe. A carta, que tem tido muita repercussão em vários meios de comunicação estrangeiros, foi também citada por Guilherme d’Oliveira Martins, na sua crónica no 7MARGENS de sábado passado, dia 20, e também por frei Bento Domingues na sua última crónica no Público, domingo, 21.

Tendo em conta a sua importância, o 7MARGENS publica a seguir o documento, na íntegra.

 

Roma, 13 de março de 2021

Caro Papa Francisco:

Em primeiro lugar, um grande obrigado
mulheres toutes apotres, Foto Twitter Anna Cuxac

Mulheres francesas que em 2020 se candidataram a cargos que na Igreja estão reservados a homens: “Mostra-nos que é fundamental iniciar processos de mudança e que toda a mudança requer um processo educativo que envolva a todos.” Foto © Twitter de Anna Cuxac.

 

Obrigado por dar tudo de si durante estes oito anos. Desde o início desafiou-nos à conversão pastoral de toda a Igreja e é o primeiro a esforçar-se por torná-la concreta. O Concílio Vaticano II estabeleceu marcos na vida da Igreja e, no longo e intenso processo da sua implementação, haverá um marco a partir do seu pontificado. Para isso, como nós, argentinos, dizemos, você põe “toda a carne na grelha” [expressão argentina para indicar que agarramos as coisas].

Obrigado por se deixar conduzir pelo Espírito Santo, como o Santo de Assis. Você respondeu “Francisco: restaura minha Igreja”, guiando-nos com a Evangelii gaudium. Você ouviu o grito dos mais pobres e o grito do planeta, identificando-os numa crise única, à qual nos ensina a responder com a Laudato si. E percebeu que a chave para enfrentar os problemas de nosso mundo mergulhado numa terceira guerra mundial aos bocados é uma sociedade de irmãos e irmãs, como nos lembra em Fratelli tutti, e continuar no caminho do ecumenismo e do diálogo inter-religioso empreendido pelos seus predecessores.  Obrigado por ser o Francisco do século XXI e pela sua paixão pelas famílias, em particular pelos mais pobres, manifestada na Amoris laetitia .

Obrigado por tentar limpar e curar as feridas abertas da Igreja, as atrocidades do abuso e da escravidão moderna, as violações da dignidade das mulheres e o nosso afastamento da vivência do evangelho em cada dia. Obrigado por ter superado as críticas e os redemoinhos diabólicos, guiando o barco da humanidade pela tempestade causada pelo coronavírus. Mostra-nos que é fundamental iniciar processos de mudança e que toda a mudança requer um processo educativo que envolva a todos. Agradeço sobretudo por tentar dar à Igreja o rosto feminino que a identifica com a sua ternura, a sua proximidade e a sua misericórdia.

 

Em segundo lugar, a vontade de ir mais longe

Caro Papa Francisco, recordo que o senhor, no ano passado, recomendou-nos pessoalmente que fôssemos corajosas como Maria Madalena, mesmo quando nos dirigimos ao Papa. Por isso, gostaria de dizer-lhe, com todo o respeito, confiança e carinho que lhe devo, que, como mulher, estou em dívida. O senhor é um lutador contra o machismo e o clericalismo, mas acho que não avançámos o suficiente no desenvolvimento da riqueza das mulheres que constituem grande parte do povo de Deus. Já existe uma teologia da mulher com muitas elaborações. A idoneidade das mulheres na sociedade civil, na economia, na saúde, na educação, no cuidado do planeta, na defesa dos direitos humanos e em tantos outros campos, obviamente, assim como na família e na catequese, foi já comprovada.

Esta mensagem não pretende ser reivindicativa. Não se trata de ocupar posições para ficar “como vasos decorativos”, como ornamento ou porque está na moda nomear mulheres, nem alcançar posições para “subir” às posições de poder. Não. Trata-se de servir a Igreja com os dons que o Pai Criador nos deu: uma particular inteligência e sensibilidade, uma particular afetividade e capacidade de gestação e formação das pessoas e uma especial aptidão para gerar bens relacionais. Que o desejo que expressou de que as mulheres participem das equipas de decisão ao lado dos homens deixe de ser visto como uma utopia e se torne algo de normal na Igreja.

 

Terceiro, partilhar um sonho

“Quantas leigas em todas as partes do mundo estão já prontas para servir!”

 

Posso compartilhar um sonho consigo? Sonho com uma Igreja com mulheres capazes de serem juízas em todos os tribunais onde se julgam as questões matrimoniais, nas equipas de formação de cada seminário, mulheres que exerçam ministérios como a escuta, a orientação espiritual, a pastoral da saúde, o cuidado do planeta, a defesa dos direitos humanos, etc. para os quais as mulheres são, pela sua natureza, tão ou às vezes mais talentosas do que os homens. Não só as mulheres consagradas: quantas leigas em todas as partes do mundo estão já prontas para servir!

E sonho que durante o seu pontificado inaugure, ao lado dos sínodos dos bispos, um sínodo diferente: o sínodo do povo de Deus, com uma representação proporcional do clero, consagrados e consagradas, e leigos. Não nos alegraremos apenas porque uma mulher vota pela primeira vez, mas porque tantas mulheres leigas preparadas, em comunhão com todos os outros membros deste Sínodo, terão dado a sua contribuição e seu voto, contribuindo para as conclusões que serão depositadas nas suas mãos. Seguramente, Santo Padre, o senhor tem já esta “carta no seu baralho” para colocar em prática a sinodalidade, e está apenas a aguardar o momento oportuno para a colocar em jogo.

Querido Papa Francisco, com as comunidades das quais sou membro, a União Mundial das Organizações Femininas Católicas e a Associação das Virgens Consagradas Servidoras – fundada na sua diocese de origem, Buenos Aires, pelo Servo de Deus Luis María Etcheverry Boneo – asseguro-lhe as nossas orações, confiando-o a Maria. Perdoe-me por não seguir seus passos de tantas maneiras. Comprometo-me, com milhões de mulheres católicas, a refletir mais profundamente sobre os seus ensinamentos, a fim de colocá-los em prática.

Confesso que todas as manhãs, ao acordar, me pergunto: com que é que o Papa nos vai surpreender hoje? Obrigado por abrir tantos caminhos para a Igreja. E agradeço à Providência Divina por isso e por muitas outras coisas recebidas por seu intermédio durante estes primeiros oito anos do seu pontificado.

 

María Lía Zervino, Servidora

 

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