
“É a vida que corre, a impermanência a dar sinais de si, a confirmação dos factos. Os filhos criam-se como aos animais resgatados de cativeiro, preparando-os para a selvajaria humana, para o clichet do ‘mundo lá fora’.” Foto © Eye for Ebony | Unsplash
Já anteriormente, por estas páginas, me manifestei na condição de mãe. Bem sabemos que é inevitável tornar a vida um paralelismo eterno quando nos encontramos na posição de amante incondicional; a diferença está nas posturas que se adotam nesse lado paralelo que muito frequentemente cai na perpendicularidade e transversalidade.
Nem sempre o observador sabe apreciar o desenvolvimento da obra ativamente sem cair no julgamento da passividade; a ideia de intervenção aparece, quase sempre, relacionada com o gesto da parentalidade correta. Eis o pensamento humano – eu sei, eu posso, eu mando.
E na hora do voo?? O verdadeiro desmame.
A mim soa-me a um misto de reviver a liberdade com a qual já não sei se sei lidar, uma saudade entranhada no vazio do quarto ao lado, na mesa posta pela metade e uma alegria de “check, feito com mestria. Preparada para sobreviver na selva!”.
É a vida que corre, a impermanência a dar sinais de si, a confirmação dos factos. Os filhos criam-se como aos animais resgatados de cativeiro, preparando-os para a selvajaria humana, para o clichet do “mundo lá fora”.
Quando saem de casa pela primeira vez, é vê-los voar como às águias resgatadas de pseudo-circos. E nós cá em baixo, de olhos postos no plano que um dia foi nosso, aquele dia, lá atrás na distância esquecida por conveniência, em que partimos vestidos de um entusiasmo que nos impedia de olhar para trás…hoje é a nossa vez de colocar os binóculos no coração.
É hora de nos certificarmos se aprendemos o que os filhos nos ensinam: a incondicionalidade, o regresso à liberdade, o amor independente … o amor mais alto, mais leve, mais livre e mais próximo, seja qual for a distância.
Quando um filho sai de casa pela primeira vez para um espaço seu, para uma cidade sua, para uma vida sua é hora de nós, pais e mães, amarmos mais que nunca na gratidão perpétua dos laços umbilicais. Afinal de contas todos estamos no mesmo colo.
Ana Sofia Brito é performer e artista de rua por opção, embora também mantenha a arte de palco; frequentou o Chapitô e estudou teatro físico na Moveo, em Barcelona. Autora de “Em Breve, Meu Amor” e do “O Homem do Trator”.