Se é quase impossível resumir oito anos de um intenso pontificado, é possível apontar algumas linhas que o orientam. Um exercício à volta de sete ideias fortes, sete testamentos do Papa Francisco, mesmo deixando de fora muitos outros olhares.

Oito anos depois da sua eleição, a 13 de Março de 2013, mantêm-se a energia e a vontade de propor caminhos novos com que Francisco apareceu no primeiro dia. Foto © Ashwin Vaswani/Unsplash
Haverá “novos passos” em relação ao diálogo entre a Igreja Católica e o islão, prometeu – garantiu – o Papa Francisco no voo de regresso do Iraque, segunda-feira passada, depois da sua viagem histórica ao país. Oito anos depois da sua eleição, a 13 de Março de 2013, mantêm-se o vigor, a energia, a vontade de continuar a propor sempre caminhos novos com que apareceu no primeiro dia.
Nesse fim de tarde chuvoso em Roma, um aparentemente tímido Jorge Mario Bergoglio, até aí arcebispo de Buenos Aires, surgiu à varanda central da Basílica de São Pedro: “Agora iniciamos este caminho, bispo e povo… este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade. Um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós.”
Depois de já ter dito várias vezes que faria um pontificado “curto” – sem nunca ter dito quão curto – a convicção, em Roma, é agora de que Francisco não abdicará enquanto o seu antecessor estiver ainda vivo, dizem ao 7MARGENS vários observadores eclesiásticos em Roma. A partir daí, tudo será possível.
Certo é que as marcas franciscanas estão já impressas numa renovação que, mesmo que sofra avanços e recuos, dificilmente permitirá que se volte ao que era antes. O Papa que permanece no seu lugar, firme e em grande forma física e psíquica, como nesta sexta-feira, 12, referia o Presidente Marcelo, apontou caminhos e modos de fazer, protagonizou gestos exemplares, desenvolveu um pensamento único, profundo e coerente, traçou uma reforma institucional e apontou o horizonte de a Igreja e todos os crentes serem protagonistas de uma “revolução da ternura”. Em suma, continuando no seu lugar, Francisco não deixou de ir escrevendo vários testamentos – e continua a fazê-lo.
1. O nome de Deus é Misericórdia
(o testamento pastoral)

Francisco está permanentemente à escuta do mundo e da vida das pessoas; por isso entende as dores, fragilidades, angústias, caminhos cruzados ou desviados de tantos crentes. Ao convocar os dois sínodos de bispos sobre a família, por exemplo, ele pretendeu vincar que a ideia da misericórdia evangélica deve estar antes de e prevalecer sobre normas, regras ou espartilhos.
Essa é uma intuição fundamental ao longo do pontificado e não se reduz à questão da família e à moral sexual ou à sua proposta de as pessoas que voltaram a casar poderem ser aceites de novo aos sacramentos, depois de uma caminhada espiritual e de discernimento – uma das questões que motivou os dois sínodos sobre a família e levou à publicação da exortação Amoris Laetitia, um dos documentos importantes do pontificado.
Ao protagonizar gestos de aproximação a presos, mães solteiras, pessoas sem-abrigo, prostitutas, homossexuais e outros proscritos de certos moralismos católicos, Francisco clama permanentemente pela ideia da misericórdia. Uma ideia que bebe dos gestos de Jesus nos evangelhos e propõe a redescoberta do que é a verdadeira atitude do pastor: aquele que vai ao encontro dos seus, que “cheira a ovelha” e está no meio delas, que se preocupa e atende quem está entregue ao seu cuidado.
Desde o seu célebre “Quem sou eu para julgar?” referindo-se aos homossexuais; até ao baptismo de filhos de mães solteiras; passando pela comoção perante o sofrimento dos refugiados em Lampedusa ou em Lesbos; pela atenção aos sem-abrigo; perante as vítimas do terrorismo na Colômbia ou no Iraque que encetaram processos de reconciliação com seus agressores, Francisco tem por detrás uma ideia, uma proposta, um gesto: misericórdia. “Aproximar, saber ouvir, aconselhar, ensinar acima de tudo com o nosso exemplo”, diz ele, no livro-entrevista O Nome de Deus é Misericórdia (ed. Planeta), publicado antes do ano jubilar dedicado a esse tema (2015-2016). “Ao acolher o marginalizado que está ferido no corpo e ao acolher o pecador que está ferido na alma joga-se a nossa credibilidade como cristãos”, acrescentava.
2. Um nome, os gestos, um programa franciscano
(o testamento espiritual)

Ainda na segunda-feira, ao regressar do Iraque, Francisco falava das suas iniciativas de aproximação ao islão, dizendo que elas são fruto de oração, diálogo, conselhos e reflexão. Homem profundamente espiritual, forjado na escola jesuíta do discernimento, que tenta avaliar todos os dados de uma situação até chegar a uma decisão, Francisco concilia em si a capacidade de agir eficazmente com a profundidade da oração, meditação e reflexão que faz sobre os acontecimentos. Ou seja, como nota Austen Ivereigh no livro O Pastor Ferido (ed. Vogais), a capacidade de “levar a cabo acções concretas que possam demonstrar o compromisso do chefe com a mensagem que o próprio advoga”.
Essa atitude espiritual radica também no próprio nome escolhido – ou relaciona-se profundamente com ele. Um nome que é um programa em forma de desejo: três dias depois de ter sido eleito Papa, diante dos jornalistas do mundo inteiro que tinham acompanhado o conclave, ele exclamava: “Ah, como eu queria uma Igreja pobre para os pobres!”
O nome de Francisco, tomado do santo de Assis, nunca tinha sido escolhido por um papa – o que pode significar alguma coisa acerca do papado, em boa parte do segundo milénio, desde os séculos XII/XIII. O próprio Francisco contou que a ideia lhe surgiu quando o cardeal Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo (Brasil), entre 1998 e 2006, e que estava sentado perto dele no conclave, lhe disse: “Não te esqueças dos pobres.”
“Aquela palavra entrou aqui”, contou aos jornalistas, apontando o coração. “Os pobres, os pobres. Depois, de repente, pensei em São Francisco de Assis, homem da pobreza, homem da paz, homem que ama e protege a criação.” E, logo a seguir, exclamou: “Ah, como eu queria uma Igreja pobre e dos pobres!”
O seu despojamento pessoal começou nos primeiros dias, com a escolha de um alojamento comum e já não da fortaleza do Palácio Apostólico, onde só chegavam os que lidavam directamente com os papas. Mas, sobretudo, o que Francisco pretende é que essa atitude permeabilize a Igreja, não só através do discurso, mas através de uma prática quotidiana.
A vontade de estar próximo tanto o leva à escuta das vítimas de abusos sexuais por parte de clérigos, como a ouvir a tragédia do pai do pequenino Alan Kurdi, que em 2015 morreu na praia, com a sua mãe e o irmão, depois da tentativa frustrada de atravessar o Mediterrâneo, fugindo à guerra no Iraque. No voo de segunda-feira passada, dia 8, Francisco aludiu ao encontro com o senhor Kurdi, mas também acrescentava como olha para a sua missão, afirmando algo que tem repetido ao longo dos anos: “Um padre torna-se padre para servir, estar ao serviço do povo de Deus, não para fazer carreira, nem para enriquecer.”
Já em 2015, ao encontrar-se com luteranos em Roma, ele respondia a uma criança de nove anos, acerca do que mais gostava na sua missão: “Gosto de ser Papa com o estilo do pároco. O serviço. Gosto disto, no sentido que me sinto bem quando visito os doentes, quando falo com as pessoas que estão um pouco desesperadas, tristes. (…) Ser Papa é ser bispo, ser pároco, ser pastor. Se o Papa não for bispo, se o Papa não for pároco, se não for pastor, será uma pessoa muito inteligente, muito importante, terá uma grande influência na sociedade, mas acho – penso! – que não será feliz no seu coração.”
3. O curador ferido
(o testamento para as perversões eclesiásticas)

Na carta que, em Maio de 2018, entregou aos bispos do Chile quando os chamou a Roma, depois do escândalo de encobrimentos de abusos sexuais do clero que atingiu a Igreja naquele país – e que, num primeiro momento, envolveu o próprio Francisco, quando ele recusou ouvir as acusações contra um dos bispos encobridores –, o Papa não poupava nas palavras: a cultura dominante em muitas franjas do clero é a de uma “psicologia de elite ou elitista”, de “dinâmicas de divisão”, de “espiritualidades narcisistas e autoritárias”, de clericalismos como sinónimo “de perversão no ser eclesial.”
O caso dos abusos levou Francisco a falar de si e da missão do clero como a de um “pastor ferido”, como lhe chama Ivereigh no seu livro. Ou de “curador ferido”, como Henry Nouwen referia, na sua obra sobre o ministério do padre na sociedade contemporânea.
O próprio Papa dizia a um grupo de padres da diocese francesa de Créteil, em Outubro de 2018: “Não tenhais receio de ver as feridas da nossa Igreja, não para vos lamentardes delas, mas para ir até Jesus Cristo. Só Ele nos pode curar permitindo que voltemos a partir d’Ele e encontremos, com Ele e n’Ele, os meios concretos para propor a sua vida a todos, num contexto de pobreza e de carência. (…) Com esta força que vem do alto, sereis estimulados a sair para vos tornardes cada dia mais próximos de todos, em particular de quantos estão feridos, marginalizados, excluídos.”
Propondo de novo o método dos Exercícios Espirituais de Inácio de Loiola, o fundador dos jesuítas, o Papa colocava em causa o modo de proceder das estruturas eclesiásticas. Muitas vezes, ele radicava em formas intoleráveis de abuso de poder de quem se sentia (sente) intocável ou em modelos de formação dos seminários ou de auto-referencialidade da Igreja, dizia.
No livro já citado O Pastor Ferido, o jornalista inglês Austen Ivereigh nota ainda que, nos Exercícios, Santo Inácio diz que uma pessoa “fará progresso nas coisas do espírito até ao ponto em que acabará por se despojar do amor-próprio, da obstinação e do interesse pessoal”.
4. Pontifex maximus
(o testamento do fazedor de pontes)

Antes de, no final de Outubro de 2016, ir à Suécia assinalar os 500 anos do início da Reforma de Lutero, o Papa referia-se ao iniciador do protestantismo como “um reformador” que, “num momento difícil”, pôs “a Palavra de Deus na mãos dos homens”. Dias antes, no regresso viagem que o levara à Geórgia (país de maioria cristã ortodoxa) e ao Azerbaijão (de maioria muçulmana), afirmara: “O ecumenismo deve fazer-se caminhando juntos, rezando uns pelos outros.”
Esta é uma proposta de caminho ecuménico comum com as outras confissões cristãs – ortodoxos, protestantes, anglicanos, evangélicos –, em que a mesma fé deve impulsionar um sentimento de unidade na palavra (“rezar uns pelos outros”) e na acção (“fazer coisas juntos”), para lá das divergências teológicas ou eclesiais.
No diálogo inter-religioso, Francisco alarga esta visão, propondo uma raiz ainda mais funda: a ideia da fraternidade, radicada no facto de todos os crentes se entenderem como filhos do mesmo Deus.
No curto discurso da audiência geral de quarta-feira passada, onde falou sobre a sua viagem ao Iraque, o Papa referiu a palavra fraternidade uma dúzia de vezes: a ideia presidiu a vários encontros durante a sua última viagem, disse, mas a fraternidade é também a única solução para vários problemas do mundo, na linha do que propõe a encíclica Fratelli Tutti.
“É o desafio para muitas regiões de conflito e, definitivamente, é o desafio para o mundo inteiro: a fraternidade. Seremos capazes de fazer fraternidade entre nós, de fazer uma cultura de irmãos? Ou continuaremos com a lógica iniciada por Caim, a guerra? Irmandade, fraternidade.”
Na aproximação ao islão, essa ideia de construtor de pontes – raiz do nome sumo pontífice, ou pontifex maximus, o sumo sacerdote do panteão das divindades na Roma imperial –, é levada até ao impossível. Francisco sabe que há demasiadas feridas históricas, culturais, religiosas e políticas entre cristãos e muçulmanos. E que só um verdadeiro processo de reconciliação pode operar transformações visíveis de modo a resolver conflitos intermináveis ou recorrentes.
A Declaração de Abu Dhabi sobre a Fraternidade Humana, assinada há dois anos, foi o primeiro passo de gigante nesse sentido. O encontro com o Ayatollah Sistani, sábado passado, em Najaf, no Iraque, foi o segundo.
5. Uma Igreja sinodal e mais feminina
(o testamento para o catolicismo)

Em 2015, nos últimos dias da assembleia sinodal sobre a família, o Papa fez um discurso sobre os 50 anos da instituição do Sínodo dos Bispos. Nessa ocasião, e dias depois, no seu discurso final da assembleia, Francisco sublinhou que o Sínodo – a hierarquia católica – deve estar à escuta do povo e não limitar-se a repetir doutrinas já elaboradas.
A próxima assembleia sinodal, prevista para Outubro de 2022, mas que pode ser adiada um ano, terá exactamente a questão dos processos sinodais como tema. Para Francisco, não basta dizer que se deve dar lugar à participação dos fiéis e, entre eles, das mulheres. Como nas outras áreas da sua acção, a sua convicção é sempre transformada em acto. Por isso, tem nomeado leigos católicos para cargos de responsabilidade no Vaticano e, dentre eles, várias mulheres.
As últimas duas escolhas, anunciadas nos últimos dias, foram a de uma secretária para a importante Comissão Bíblica Pontifícia, conhecida nesta sexta-feira, 12, e de uma subsecretária para o Sínodo dos Bispos – ou seja, a primeira mulher que passará a ter direito de voto numa assembleia onde até aqui se votava exclusivamente com voz masculina, nomeada há um mês.
Se é certo que Francisco recusa a possibilidade da ordenação de mulheres, também admite que “é necessário ampliar os espaços de uma presença feminina mais incisiva na Igreja”, como dizia na sua primeira longa entrevista, ao padre jesuíta Antonio Spadaro.
Nessa ocasião, o Papa criticava a “ideologia machista”, defendendo que a mulher é “imprescindível” para a Igreja e que é preciso “trabalhar mais para fazer uma teologia profunda da mulher”, bem como “reflectir sobre o lugar específico da mulher, precisamente também onde se exerce a autoridade nos vários âmbitos da Igreja” – ou seja, nos lugares hierárquicos.
São essas ideias de acentuar a lógica sinodal, de maior participação de todos nos processos de decisão e das estruturas eclesiásticas como serviço ao povo de Deus, que também norteiam a elaboração da nova constituição apostólica que regula o funcionamento da Cúria – e cuja finalização e promulgação foi adiada de novo, desta vez por causa da pandemia.
Do que já se conhece do documento, ela prevê um novo “super-ministério” para a Evangelização, com mais poder do que a Congregação para a Doutrina da Fé; uma Cúria Romana colocada ao serviço quer do Papa quer das igrejas locais, e não mais um órgão de poder e autoridade; um estatuto dos bispos locais que não serão “subalternos” dos bispos e cardeais da Cúria; a possibilidade de colocar leigos à frente dos organismos do Vaticano – que já está a acontecer paulatinamente; e a integração da Comissão de Protecção de Menores na estrutura da Cúria Romana, para tornar a sua acção mais eficaz.
6. Sujar as mãos
(o testamento político)

A publicação da encíclica Fratelli Tutti (Todos irmãos), em Outubro último, a par da Laudato Si’ (Louvado sejas, sobre o cuidado da casa comum), de 2015, constituem os dois marcos maiores da intervenção política do Papa.
Para ele, a política é “uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum”, para a intervenção dos cristãos, como disse logo em 2013 a alunos de escolas jesuítas. O raciocínio de Francisco é simples: se a política e a economia estão como estão, é porque os cristãos lavam demasiado as mãos como Pilatos e não se envolvem em partidos, sindicatos, associações ou organizações sociais.
“Os leigos cristãos devem trabalhar na política. Dir-me-ás: ‘Não é fácil!’ Também não é fácil tornar-se padre. Não há coisas fáceis na vida. Não é fácil; a política está muito suja; e ponho-me a pergunta: Mas está suja, porquê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico? Deixo-te esta pergunta: É fácil dizer que ‘a culpa é de fulano’, mas eu que faço? É um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão! E, muitas vezes, a opção de trabalho é a política. Há outros caminhos: professor, por exemplo, é outro caminho. Mas a actividade política em prol do bem comum é um dos caminhos.”
Hoje, claramente, para o Papa o exercício da política passa por olhar para os problemas do mundo como um todo, tal como ele propõe com a noção de ecologia integral da Laudato Si’ ou com as propostas de uma “política melhor” que apresenta na Fratelli Tutti: a pobreza está relacionada com a má distribuição da riqueza, mas também com os problemas da emergência climática, com o comércio de armas e as guerras, com a menorização do papel das mulheres, com o drama dos milhões de refugiados no mundo, com a exploração dos recursos dos países pobres, com o modelo consumista e capitalista de produção, com uma sociedade de descarte em que as pessoas só contam enquanto factores de produção ou consumo.
Também a sua proposta de repensar de cima a baixo o modelo económico vigente, com a iniciativa A Economia de Francisco, iniciada em Novembro, pretende dizer que não bastam remendos para resolver as profundas desigualdades e injustiças do mundo. “Ninguém põe um remendo de pano novo em roupa velha. Nem se deita vinho novo em odres velhos”, diz Jesus no Evangelho de Mateus (9, 14-17). O Papa está consciente disso e sabe bem que é todo um sistema – mesmo no ensino católico ou na relação de tantos responsáveis ou organizações da Igreja com poderes económicos ou políticos – que é preciso pôr em causa.
Não é de estranhar que Francisco ouse introduzir, na análise que faz, conceitos como perdão, misericórdia ou justiça como chaves também para a intervenção política, seja dos cristãos, seja das sociedades, como ainda agora fez no Iraque. Ou como também dizia no livro O Nome de Deus é Misericórdia: “A misericórdia e o perdão são importantes mesmo nas relações sociais e nas relações entre os Estados.”
Esses conceitos relacionam-se, sempre, com a ideia da fraternidade humana, conceito que deu o título à declaração comum assinada com o Grande Imã de Al Azhar, no Egipto, o xeque Al Tayyeb, ou como ainda na quarta-feira referiu, depois do regresso do Iraque, a propósito do “monstro” das guerras que destruiu a biblioteca mais rica do mundo, na Mesopotâmia da Antiguidade e “continua a devorar a humanidade”.
7. Uma revolução imparável
(um testamento para a humanidade)

A mudança que Francisco assumiu como horizonte do seu pontificado não é uma operação cosmética. Antes pretende recuperar o sentido profundo de missão de uma comunidade aprisionada pela sua presença institucional em detrimento da sua missão e do seu carisma.
Fica também claro que, com as nomeações, escolhas, estratégias, opções pastorais, viagens… Francisco quer acentuar essa dinâmica renovadora, reformadora e transformadora da Igreja – e dos seus membros. O conjunto de cardeais nomeados – cada vez mais, pessoas que estão próximas do povo, com um sentido pastoral muito semelhante ao de Francisco – acentua essa dinâmica e dá-lhe possibilidades de futuro.
Nas suas viagens, na sua expressão de “ir até às periferias” ou no intenso momento que protagonizou sozinho na Praça de São Pedro, a 27 de Março do ano passado, Francisco insiste na mesma ideia: somos todos parte de uma mesma família humana e estamos todos no mesmo barco, mais agora com a pandemia em que o mundo se viu emergido desde há um ano. Por isso, como dizia ele nessa oração de 27 de Março de 2020, é fundamental “despertar e activar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar” no meio do “isolamento que nos faz padecer a limitação de afectos e encontros e experimentar a falta de tantas coisas”. É preciso ainda “permitir novas formas de hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade”.
Estes são testamentos de uma revolução ainda em marcha.