“Sejamos realistas: o desenvolvimento económico irresponsável a que nos entregámos está a provocar desequilíbrios climáticos que pesam sobre os ombros dos mais pobres, sobretudo na África subsaariana”. Assim se expressa o Papa Francisco, no prefácio a um livro que está a ser apresentado por estes dias em Itália, o qual constitui um apelo à mudança de estilos de vida e à afirmação de que a transição ecológica é “um caminho para a felicidade”, como o subtítulo do livro enuncia.
O livro intitula-se “Il gusto di cambiare” [o gosto de mudar] e é o resultado de um diálogo improvável entre o fundador de Slow Food Italia, gastrónomo e ativista ecológico Carlo Petrini e o jesuíta especialista em economia e questões climáticas Gaël Giraud. A editora apresenta a obra como uma justificação, com muitos exemplos, da insustentabilidade do atual modelo económico-alimentar e da necessidade da ação da sociedade civil no sentido de “tomar as rédeas para dar vida a um novo paradigma”. O prefácio de Francisco – que já tem um livro de diálogos com Petrini – foi publicado em acesso aberto pelo Osservatore Romano.
Para o Papa, neste livro, os autores “elaboram uma análise fundamentada e convincente do modelo económico-alimentar em que estamos imersos, que, para usar a famosa definição de um escritor, ‘sabe o preço de tudo e o valor de nada’. Enfatiza, por outro lado, o facto de, ao longo das cerca de 170 páginas, serem proporcionados “vários exemplos construtivos, experiências estabelecidas, histórias singulares de cuidado com o bem comum e os bens comuns que abrem ao leitor um olhar de bondade e confiança sobre o nosso tempo”.
Um primeiro aspeto a que Francisco dá realce, no seu prefácio, é à valorização que tanto Giraud como Petrini dão ao papel dos jovens nas mudanças climáticas. Isto apesar de os dois andarem, respetivamente, pelos 50 e 70 anos e ser comum o discurso adulto de desvalorização das gerações mais jovens.
“Em vez disso – escreve o Papa – temos de admitir com sinceridade que são os jovens (…) que nos pedem, em várias partes do mundo, para mudar. Mudar o nosso estilo de vida, tão predatório em relação ao ambiente. Mudar a nossa relação com os recursos da Terra, que não são infinitos. Mudar a nossa atitude para com elas, as novas gerações, a quem estamos a roubar o futuro”.
“E [os jovens] – acrescenta – não se limitam a pedir-nos, estão já a fazê-lo: saem à rua, manifestam a sua discordância em relação a um sistema económico injusto para os pobres e inimigo do ambiente, procurando novos caminhos. E fazem-no a partir da sua vida quotidiana: fazem escolhas responsáveis em matéria de alimentação, de transportes, de consumo”.
O Pontífice realça o facto de os autores do livro citarem movimentos de várias partes do planeta, em que se procura avançar conjuntamente com dois aspetos que o Papa entende deverem andar unidos: as exigências quer da justiça climática quer da justiça social. “Os jovens estão a educar-nos neste sentido!”, remata o Papa. “Optam por consumir menos e viver mais as relações interpessoais; têm o cuidado de comprar objetos produzidos de acordo com normas estritas de respeito ambiental e social; são imaginativos na utilização de meios de transporte coletivos ou menos poluentes”.
Noutro ponto do seu texto, Francisco alude à “urgência de nos libertarmos desta perspetiva economicista, que parece desprezar o lado humano da economia, sacrificando-o no altar do lucro como bitola absoluta”. Ela está visível no conceito de prosperidade “que está em voga atualmente”, segundo o qual o “PIB é um ídolo ao qual são sacrificados todos os aspetos da vida em comum: respeito pelo ambiente, respeito pelos direitos, respeito pela dignidade humana”.
O prefácio sublinha ainda dois aspetos que caraterizam o livro: o facto de ter sido construído sob a forma de um diálogo, já que “é o confronto que nos enriquece, não a manutenção das nossas posições” ou “o fundamentalismo que barra o caminho à novidade” ou ainda “a certeza hermética de que estamos sempre “com a razão”.
Por outro lado, valoriza também o facto de os dois autores serem interlocutores com pontos de vista e origens culturais diferentes, um crente e um agnóstico. O que – faz notar o Papa –“não os impede de manter uma conversa intensa e construtiva que se torna o manifesto de um futuro plausível para a nossa sociedade e para o nosso planeta, tão ameaçados pelas consequências nefastas de uma abordagem destrutiva, colonialista e dominadora da criação”.