
Placard sobre o movimento Birds aren’t real. Foto © Wikimedia Commons
Uma entrevista concedida por um ex-agente da CIA, Eugene Price, tornaria credível uma acusação que, desde 2017, tinha vindo a ser amplamente difundida nos Estados Unidos da América por um movimento intitulado Birds Aren’t Real (Os pássaros não são reais) [1]. Eugene Price corrobora que a CIA dizimou os pássaros do país, substituindo-os por imitações tecnológicas, drones emplumados cumprindo uma função de vigilância. Ele estava particularmente bem colocado para o testemunhar por ter sido o encarregado de destruir as provas da vasta operação que tinha sido realizada.
O vídeo da entrevista concedida ao jovem Peter McIndoe, inspirador de Birds Aren’t Real, dura 2 minutos e 47 segundos e apenas na rede social TikTok teve mais de dez milhões de visualizações, segundo foi referido no programa 60 Minutes [2] da CBS News, de 1 de Maio (difundido pela SIC Notícias no domingo passado). Mesmo para quem se apresente desconfiado, Eugene Price é persuasivo, podendo até detectar-se um certo incómodo por, de algum modo, ter estado associado ao encobrimento do morticínio das aves. “Eu vi algumas coisas que, realmente, gostaria de não ter visto”, confessa.
Durante vários anos as acusações dos militantes de Birds Aren’t Real encontraram um significativo eco nos media, inclusivamente em Portugal. Na Notícias Magazine, a revista dominical do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias, dizia-se em 2019 que Birds Aren’t Real tinha 70 mil seguidores online [3]. O relato jornalístico resumia os fundamentos do movimento que garante que o governo dos Estados Unidos da América matou intencionalmente 12 biliões de pássaros entre 1959 e 1971, tendo sido usados para o efeito aviões de combate a incêndios, em cujos depósitos, em vez de água, havia um veneno que tinha sido pulverizado de uma altura de 8 000 pés.
Segundo o grupo, o principal estratega da morte e substituição dos pássaros foi o próprio director da CIA. Birds Aren’t Real supõe mesmo que o verdadeiro motivo para o assassinato do presidente John F. Kennedy foi a circunstância de ele ter defendido os pássaros contra os propósitos da agência de segurança.
A propaganda de Birds Aren’t Real é detalhada. Por exemplo: a bateria dos drones de vigilância – dos falsos pássaros, portanto – é recarregada nos postes e nas linhas eléctricas. A Notícias Magazine dizia que, “apesar de todas as polémicas”, a teoria do movimento estaria “a ganhar terreno”. Apesar de a generalidade dos seguidores do movimento se encontrar nos Estados Unidos da América, havia já adeptos em Brighton, no Reino Unido, onde surgiram “cartazes e manifestações a apoiar a tese de que os pássaros não são reais”.
Para muitos, Birds Aren’t Real é apenas mais uma teoria da conspiração, semelhante a tantas outras que agora proliferam com uma espantosa facilidade através das redes sociais, ou, melhor, graças a elas. Certo é que, segundo o New York Times, as contas de Birds Aren’t Real no Instagram e no TikTok têm centenas de milhares de seguidores e os vídeos que publicam no YouTube têm-se tornado virais [4]. Segundo a CBS News, mais de um milhão de pessoas nos Estados Unidos da América seguem os que acreditam que os pássaros que vêem são drones usados pelos serviços secretos para vigiar os cidadãos.
Mas 2022 tem sido um ano de viragem radical para Birds Aren’t Real. Peter McIndoe, o fundador do movimento, tem-se, agora, apresentado em diversas entrevistas como o criador de uma farsa em que imitou os fanáticos das teorias da conspiração e à qual pretende pôr cobro. “Sim, temos difundido intencionalmente desinformação nos últimos quatro anos, mas com um propósito. Trata-se de colocar os Estados Unidos da era da Internet ao espelho”, disse ele ao New York Times.
Birds Aren’t Real, segundo os seus principais activistas, citados pelo diário nova-iorquino, “é um movimento social paródico com um propósito. No mundo da pós-verdade, dominado por teorias da conspiração online, os jovens uniram-se em torno de um esforço para criticar, combater e ridicularizar a desinformação”. Constata o jornal que é a tentativa da Geração Z de combater a falta de sentido através do absurdo.
“Fui criado pela Internet porque foi aí que acabei por encontrar uma grande parte da minha educação real, através de documentários e do YouTube”, disse Peter McIndoe ao New York Times, acrescentando: “Toda a minha compreensão do mundo se formou através da Internet”. Sintomaticamente, Heitho Shipp, um jovem também mencionado pelo jornal nova-iorquino, considerou que o trabalho do movimento era, afinal de contas, “sobre a alfabetização mediática”. Da confessada insanidade de Birds Aren’t Real bem se podem tirar algumas interrogações profícuas – se não sobre como se pode estabelecer um certo consenso quanto às formas de validação da verdade dos factos, pelo menos, sobre onde e como nos informamos.
Ah, falta dizer que o ex-agente da CIA, Eugene Price, era, afinal, um velho actor expressamente contratado para tornar verosímil a história da “grande substituição” dos pássaros.
Notas
[1] “CIA Agent Confesses to Bird Drone Surveillance”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=l30_APBNPXg
[2] Sharyn Alfonsi – “Parodying conspiracy theories with the Birds Aren’t Real movement”. CBS News, 1 de Maio de 2022. Disponível em: https://www.cbsnews.com/news/birds-arent-real-peter-mcindoe-60-minutes-2022-05-01/
[3] Ana João Mamede – “Teoria da conspiração diz que aves são drones espiões”. Notícias Magazine, 1 de Fevereiro de 2019. Disponível em: https://www.noticiasmagazine.pt/2019/teoria-da-conspiracao-diz-que-aves-sao-drones-espioes/historias/235932/
[4] Taylor Lorenz – “Birds Aren’t Real, or Are They? Inside a Gen Z Conspiracy Theory”. The New York Times, 9 de Dezembro de 2021. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/12/09/technology/birds-arent-real-gen-z-misinformation.html