Quando chegou a Portugal para passar o seu primeiro Natal europeu, depois de “levantar o ferro” de Angola, em 1975, Luís Branco, comprou um casaco “kispo” em segunda mão, para pagar às prestações. Nascido em Benguela, Luís era tetra-neto do fundador de Moçâmedes (hoje Namibe) e é professor universitário.
Essa é uma das histórias da curta série documental O meu último Natal, em três episódios, que passará na RTP África nos próximos dias 25 (dia de Natal, sexta, 21h30 e 22h10) e no dia 27 (domingo, 22h). A série, da autoria de Inês Leitão (autora do documentário O Padre das Prisões) pretende trazer as memórias do último Natal vivido, nas antigas colónias de Angola e Moçambique, por personalidades públicas e anónimas.
Como o caso de Cremilde Ramos, que lembra como soldados da Frelimo lhe revistaram a casa, porque o filho estava a brincar com uma pistola de plástico à janela, que tinha sido presente de Natal – acabando a ser salva por uma vizinha, que integrava a Frelimo, mas que não impediu os pastéis de bacalhau de ficarem “esbodegados” na frigideira.
Ou ainda a história de Jorge Taylor, que colocava bocados de algodão na árvore a fingir a neve que nunca vira, e que depois se transformaria em pobreza, mal chegado a Portugal – e, de novo, salvos por antigos vizinhos, que não deixou a família de Jorge sozinha no seu primeiro Natal português.
É “a vida feliz, a memória da família unida num último Natal em que ninguém adivinhava o precipício de uma guerra maldita que já pairava e não era de ninguém”, diz Inês Leitão, sobre as várias memórias trazidas ao ecrã, e que incluem ainda, entre outras pessoas, o antigo jogador de futebol do Benfica, Shéu Han. “Um regresso ao espírito do Natal do passado vivido por cerca de 500.000 refugiados em Portugal, com os olhos postos numa África muito amada”, acrescenta Inês Leitão.
Para a autora (que trabalhou com a irmã Daniela Leitão, que assegurou a realização), está em causa também o momento actual: “A guerra colonial foi uma estratégia política falhada, que abriu uma ferida social e cultural que até hoje está longe de sarar. Discursos de sangue nunca trarão a paz e a justiça que todos queremos viver. Talvez seja hora de construirmos pontes: e falar sem ódio é sempre um bom começo para tudo.”