Os queer e eu – e a gramática

| 6 Out 2022

  1. Bandeira queer

    A bandeira queer: “Não me lembro de nenhum novo passo da Humanidade que não tenha sido dado sem conflitos entre múltiplas partes.”

 

1. Eu e eles

A pessoa que vem ajudar quando as nossas colmeias têm algum problema mais sério tem nome de homem e anda sempre de saias (um estilo muito pessoal, fascina-me). Até agora não me provocou qualquer dúvida ou insegurança – talvez, desde já, por em alemão não ser preciso pôr um artigo antes do nome. Um dia que precise de usar um género na minha frase, pergunto-lhe delicadamente qual devo usar.

O Joachim tem uma amiga que é trans. Não sei em que ponto vai a transformação do corpo dela, e não tenho de saber. Sei que quer ser tratada no feminino, e é quanto me basta.

Os meus filhos trouxeram há tempos visitas para jantar, e avisaram-me que uma delas não se identifica nem com o género masculino nem com o feminino. Podia ter sido um daqueles exercícios infantis “qual é a peça que não pertence a este conjunto?”, mas, pelo contrário, foi um serão tão alegre e agradável como sempre que temos a casa cheia.

Muito se fala do “lobby gay” e da “ameaça do lobby gay” e – pelo que tenho lido – do “lobby trans”, que aparentemente está a roubar protagonismo aos outros. Parece que o conflito está muito aceso: uns contra os outros, e todos contra “nós”.
E “nós” contra eles.

Mas aqui na minha vida –  ao nível mais básico das relações entre os seres humanos, ao nível ainda mais básico do respeito pelos seres humanos que brota da delicadeza dos sentimentos ou, ao menos, da boa educação – é completamente pacífico. Nenhuma destas pessoas ameaça a minha identidade ou o meu lugar no mundo.

Sei que a naturalidade com que as recebo em minha casa é fruto de ter sido alertada para a sua existência por artigos, desfiles, debates. Sabendo agora que estas realidades são um facto, e sabendo que as pessoas sofrem por serem sentidas como um incómodo ou uma ameaça pela maioria, o mínimo que posso fazer é transformar os momentos que partilhamos num porto seguro para elas.

 

2. Eles e eles, eles e nós

Esses debates e esses conflitos são parte do processo. Por muito radicais que sejam, fazem parte e são consequência natural de uma opressão até agora sofrida em silêncio e medo. Não me lembro de nenhum novo passo da Humanidade que não tenha sido dado sem conflitos entre múltiplas partes. A revolução francesa, a luta pelos direitos civis nos EUA, a luta dos palestinianos pelo fim da opressão, o nosso 25 de Abril, para nomear apenas alguns: em nenhum destes processos se encontra um grupo uniforme de pessoas que lutam em perfeita sintonia pelo estabelecimento de uma ordem mais justa.

Porquê, então, exigir esse simplismo ao mundo queer, feito de realidades tão múltiplas que até nos habituámos ao tique de revirar os olhos por troça e por preguiça de entender as realidades por trás de cada uma das letras?

 

3. Os hábitos e a gramática que são “nossos”, mas excluem

Sim, bem sei que estamos habituados, e que soa ridículo dizer “bom dia a todas, todos e todes”, quando ainda há tanta gente que se dá perfeitamente com o masculino como genérico. Mas quais são os valores mais altos que se alevantam para obrigar uma pessoa que não se identifica nem com o género masculino nem com o feminino a ter de escolher por qual deles quer ser tratada?

Ainda ontem me aconteceu, ao comprar um bilhete de avião da easy jet: antes do nome, tenho de pôr uma cruz em “homem” ou “mulher”. Não era para mim; pus “homem”, espero ter acertado.

Numa outra perspectiva, um fenómeno frequente: receber cartas ou mails de alguém que assina apenas com o apelido, ou assina com todos os nomes de uma língua desconhecida para nós, e hesitar entre responder “Dear Mr.” ou “Dear Mrs.” ou “Dear Ms.”. Se temos automaticamente essa preocupação com pessoas do género masculino ou feminino, se sentimos um embaraço genuíno por, por exemplo, nos termos dirigido a uma mulher partindo do princípio que era um homem, porquê este displicente encolher de ombros perante pessoas cuja realidade escapa a este binarismo?

Voltando ao início: se um dia perguntar a quem me trata dos casos mais bicudos das abelhas que género devo usar, e se a resposta for “diverso”, tenho um problema, porque a gramática não prevê esse caso. O que dá um novo significado à expressão “grammar nazi”: a ideologia nazi também decidia que tipo de pessoas têm o direito a existir, e que tipo de pessoas não têm lugar entre nós.

A nossa gramática extingue simbolicamente as pessoas que são diferentes da maioria.

 

Helena Araújo vive em Berlim e é autora do blog Dois Dedos de Conversa, onde este texto foi inicialmente publicado.

 

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