
As associações Confiar e APAR apoiam, há mais de 20 anos, os reclusos “nas suas necessidades materiais, sociais e espirituais, através de grupos de voluntários visitadores”. Foto: Direitos reservados.
Eles também fazem fila à porta das cadeias para visitar os presos. São voluntários das associações que apoiam os reclusos e as suas famílias. Escutam as suas preocupações, ajudam-nos a resolver problemas, a organizar festas de aniversário, a apoiar os filhos e a encaminhar a vida quando saem da cadeia.
Duas destas associações, a APAR (Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso) e a Confiar, dedicam-se há mais de 20 anos a “apoiar as pessoas reclusas nas suas necessidades materiais, sociais e espirituais, através de grupos de voluntários visitadores”, diz Luís Gagliardini Graça, presidente da Confiar, associação criada em 1999 pelo padre Dâmaso Lambers e por um grupo de leigos católicos.
Tendo em vista a reinserção social, esta associação tem desenvolvido várias iniciativas, no âmbito das práticas restaurativas, tanto internamente como numa Casa de Saída onde se instalam ex-reclusos que não têm alojamento. Agora, porém, vão poder estender essas práticas à comunidade: ganharam uma candidatura ao projeto “Bairros Saudáveis” que se chama, precisamente, Bairro Restaurativo do Alcoitão. Ali pretendem aplicar essas práticas, “unindo raças, credos e etnias numa sã e profícua convivência e compreensão mútua, através da consciência do próximo”, adianta Gagliardini Graça.
Na perspetiva da reinserção social, existe também, desde 2017, o Centro de Apoio Familiar, fruto de uma parceria com a Câmara Municipal de Cascais, que, através da “Justiça Restaurativa”, visa prestar apoio psicossocial às pessoas reclusas, ex-reclusas e às suas famílias, bem como às vítimas dos crimes.
Com o propósito de aprofundar o estudo científico e a mensurabilidade da ação restaurativa, a associação criou ainda o Observatório e Centro de Competências em Justiça Restaurativa, em parceria com o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa (ISCSP-UL).
Identificar e resolver os fatores de risco
Mas uma das principais funções da Confiar é desenvolvida pelo Gabinete de Apoio à Liberdade, que identifica os fatores de risco para cada recluso a seis/doze meses da sua saída, tais como “a falta de documentação, de alojamento, de vínculo familiar, saúde, solidão, as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, ou a falta de trabalho”, refere Gagliardini Graça.
Para resolver esses problemas, são desenvolvidos os “Fatores de Proteção”, que abrangem o apoio psicossocial, o RSI, a Casa de Saída, a formação profissional, a busca ativa de emprego “e as práticas restaurativas que os permitem reconciliarem-se com o seu passado e comprometerem-se com o seu futuro”, sublinha o presidente da associação.
Todo este trabalho é desenvolvido a par de um esforço para vencer vários tipos de obstáculos, como as “disfuncionalidades psicológicas, sociais, financeiras, culturais e materiais” que caracterizam grande parte da população reclusa. Gagliardini Graça refere também o “enorme estigma que marca a população em conflito com a lei, o que gera algum distanciamento e mesmo alguma repulsa no apoio à sua reinserção socioprofissional.” Problemas que têm grande impacto na vida da associação: “A Confiar precisa de ir buscar os melhores técnicos para colmatar e lidar com os mais fragilizados, com os mais pobres dos pobres, e isso gera enormes carências financeiras.”
O principal apoio vem do seu parceiro principal, a Câmara Municipal de Cascais, mas a associação está a candidatar-se a vários projetos de financiamento nacionais e internacionais.
Ajudar reclusos em Portugal e no estrangeiro

Ajudar todos os reclusos, independentemente da sua “nacionalidade, raça, religião, cor política e género” é o objetivo da APAR. Foto: Direitos reservados.
Mais cedo do que a Confiar, na década de 1980 foi criada a APAR, com o objetivo de “ajudar todos os reclusos das 49 cadeias portuguesas, independentemente da nacionalidade, raça, religião, cor política e género” e ainda “todos os reclusos portugueses em cadeias no estrangeiro”, diz Vítor Ilharco, da direção da associação. Uma missão cumprida exclusivamente por voluntários.
Com 95% de associados reclusos, a área em que se têm destacado é principalmente a do aconselhamento jurídico, no âmbito da defesa dos seus direitos e da procura de soluções para preparar a saída da cadeia.
“Em defesa dos Direitos Humanos, denunciamos (e por vezes participamos à Justiça) todos os abusos e ilegalidades de que temos conhecimento, na convicção de que, se um recluso está preso por não cumprir a Lei, a Lei que rege a vida dentro das cadeias tem de ser cumprida até como exemplo para a reabilitação”, sublinha Vítor Ilharco. “As cadeias são um monte de problemas e podemos dizer que é difícil encontrar algo que esteja certo: instalações degradadas ao nível do terceiro mundo, comida péssima (o Estado paga às empresas de fornecimento €3,20 pelas quatro refeições diárias de cada recluso, ou seja, 80 cêntimos por cada refeição), má qualidade na saúde, falta de trabalho (e quando há, é pago a €2,00 por dia), dificuldade para estudar, dificuldade nos contactos com as famílias (podem fazer uma única chamada por dia de cinco minutos), zero preocupação com a reabilitação, etc., etc., etc…”
Nas cadeias femininas, os problemas agravam-se, já que muitas mulheres presas têm os filhos consigo.
A impossibilidade de dar resposta atempada aos pedidos de apoio é apontada por Vítor Ilharco como a principal dificuldade com que a APAR se debate, apesar de contar apenas com o apoio dos sócios não reclusos e dirigentes.
Mas, contra todas as dificuldades, os voluntários das associações continuam a fazer fila à frente das cadeias. Para visitar e apoiar os presos, acreditando que “todo o homem é maior do que o seu erro.”