
Chevy Chase, Maryland. Foto © Ana Luísa Pimentel
Em Washington DC a chegada do Outono tem sabor a aconchego, a recomeço, sente-se no ar que algo de novo está para acontecer. Os bosques e os parques (e há tantos espalhados pela cidade!) vestem-se de cores quentes, vermelho, laranja, amarelo, para aquecer o nosso olhar. Sabemos efectivamente que algo de extraordinário está para acontecer, a eleição que irá mudar o rosto deste país, seja qual for o resultado muitas dores estão ainda por ser sofridas, a contagem decrescente para o dia 3 de Novembro é como uma bomba relógio, a ansiedade está presente em cada olhar, mas não podemos ignorar os sinais da Natureza e confiar que algo muito maior que nós irá olhar-nos, cuidar-nos, garantir que a vida é mais do que esta espera pela notícia do dia seguinte.
A tradição de decorar as casas para a noite do Halloween convida muita gente para a rua, os dias são frescos e cheios de sol, fazemo-nos acompanhar de uma camisola leve e caminhamos pelos bairros à procura da última novidade, a mais assustadora, a mais artística, a mais estranha e incompreensível, esta é enfim a época de todos os excessos. Nada por aqui sugere contenção ou sobriedade, apenas o oposto é verdade, a manifestação da liberdade individual não tem limites. Perdemo-nos em mais umas quantas micro-notícias diárias, não existem dias aborrecidos por estes lados, apenas tanta coisa a acontecer ao mesmo tempo, protestos violentos espalhados pelo país, a consciência da discriminação racial ao rubro, DC tem 50% de população afro-americana e eu simplesmente não os vejo, de tal forma vivemos numa cidade segregada.
Se no início da pandemia estávamos apenas gratos por ter uma casa, trabalho, um porto seguro para nos resguardarmos, sete meses mais tarde manifesta-se um cansaço e uma sensação de isolamento dolorosos, que nos empurram para tomar novos riscos, a bem do nosso equilíbrio mental. Os restaurantes abriram, as esplanadas multiplicam-se, fecham-se ruas ao trânsito para abrir passagem às bicicletas, e DC deixa de ser um lugar fantasma para dar lugar ao seu brilho de cidade vibrante e plena de ofertas culturais. Estamos em final de Outubro, a pandemia cresce descontroladamente; enquanto a Europa se vê a braços com um novo pico de infeções, por aqui na verdade nunca chegou a decrescer, novamente o valor da liberdade individual acima de tudo o resto.
Vou jantar fora com um grupo de amigas, algo que parece impensável nos dias que correm, e fico deslumbrada com o ambiente que se vive nas ruas, deparo-me com inúmeros bancos de jardim que agora se transformaram em casa para alguém, algumas tendas de campismo montadas em Dupont Circle, a rotunda que define a fronteira invisível entre ricos e pobres. Estamos em DC, sinto-me espectadora de um filme extraordinário a desenrolar-se diante dos meus olhos, e sinto-me impotente, sim extremamente impotente perante esta realidade. À frente da nossa casa temos um sinal a dizer “Vote”, exactamente a mesma palavra em inglês e em português. Mas aqueles que não votam, aqueles que há muito perderam a esperança de ver os seus interesses representados no Senado, esses nem sequer passam à frente da minha porta. Entretanto espero, e vejo o filme a desenrolar-se em frente aos meus olhos nesta espera de Outono.

Chevy Chase, Maryland. Foto © Ana Luísa Pimentel
Ana Luísa Pimentel vive em Washington DC, Estados Unidos da América, é psicóloga, natural de Lisboa e viveu 10 anos na Dinamarca na sua primeira experiência de expatriada. É mãe de três filhos e casada com o Luís. Considera “casa” o lugar onde se sente bem acolhida.