
Já em 2017 os bispos franceses não tomaram posição quando Macron também disputou a segunda volta com a extremista Le Pen (na imagem, cartazes dessa eleição). Foto © Lorie Shaull from St Paul, United States, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons.
As principais instituições que representam os muçulmanos e os judeus de França apelaram já ao voto no Presidente da República cessante, Emmanuel Macron, que no domingo, 24 de Abril, disputa a segunda volta das presidenciais com a candidata de extrema-direita Marine Le Pen. Os bispos católicos têm estado silenciosos, mas um conhecido sacerdote da diocese de Lyon, Christian Delorme, veio pedir-lhes que ergam a voz contra a extrema-direita num texto de opinião publicado na edição do diário Le Monde (ligação reservada aos assinantes), datado de 20 de Março (o jornal surge ao meio dia nas bancas com a data do dia seguinte). De resto, garante o sacerdote, a maioria dos prelados não simpatiza com Marine Le Pen — contar-se-ão “pelos dedos de uma mão” os que serão susceptíveis de votar nela.
“É preciso que os bispos da França, pelo menos os mais corajosos de entre eles, saibam dizer: ‘Nenhum voto cristão deve ir, domingo, 24 de Abril de 2022, para a extrema-direita!’” Para o sacerdote, “é preciso que, em todo o caso, a maioria dos baptizados e dos sacerdotes o gritem em alto e bom som”.
O voto no presidente cessante não é “um novo cheque em branco”, diz Christian Delorme. É que, diz ele, há em França “demasiados sofrimentos, demasiadas desigualdades, demasiadas raivas”, em consequência das políticas seguidas há decénios, para não se registarem mudanças significativas. “Mas as duas candidaturas não são comparáveis. Uma não está fechada a mais humanidade, a outra leva-nos ao caos.”
No texto publicado na edição que coincide com o dia do debate entre os dois candidatos na televisão pública francesa, Christian Delorme denuncia ainda a deriva dos católicos franceses que, em grande número, têm votado em candidatos que contrariam os valores do cristianismo. Os números da primeira volta das eleições presidenciais “são terríveis”, afirma o sacerdote, referindo um estudo do Institut Français d’Opinion Publique (IFOP), realizado para o diário La Croix, que indica que, somadas as votações em Marine Le Pen, Eric Zemmour e Nicolas Dupont-Aignan, a extrema-direita foi a escolha de 40% dos católicos praticantes.
“Este é um fracasso considerável para a Igreja e para o cristianismo em geral”, constata Christian Delorme. O sacerdote interroga-se sobre o que subjaz a estas escolhas políticas. “Mas de que cristianismo se trata? Não certamente de um cristianismo segundo o testemunho de Jesus de Nazaré, que pregou o acolhimento do estrangeiro, a fraternidade universal! Este é um cristianismo sem Jesus! É um cristianismo transformado em ideologia de ódio. De um cristianismo de exclusão do outro”. Ou seja, sublinha Christian Delorme, trata-se “de um cristianismo pervertido, de uma heresia contemporânea. De uma instrumentalização política do cristianismo como não faltou ao longo da história, e como é evidenciado também hoje pelo actual patriarca ortodoxo de Moscovo encorajando e abençoando a agressão russa contra a Ucrânia”.
O sacerdote lionês, muito comprometido com os migrantes, qualifica esta “extrema-direitização” do catolicismo francês como “uma tragédia, pelo menos tão aflitiva (para um cristão, em todo caso!) quanto a ultra-descristianização de nossa sociedade”. As consequências desta tendência são perniciosas: “Contrariamente ao que pensam os promotores do retorno a um catolicismo identitário, que pretendem fazer reviver a mensagem cristã em França, o que está em vias de acontecer acelerará ainda mais a descristianização do país, porque a mensagem não pode ser salva traindo-a ou adocicando-a.”
Christian Delorme diz não saber “se os bispos correrão o nobre risco de dizer isto nos próximos dias”, acrescentando que, seja como for, esta radicalização em massa é um tema que reclama a urgente reflexão de teólogos e de pastores.