
Marko Ivan Rupnik, padre jesuíta, artista e teólogo, sob suspeita de ter abusado de mulheres. Foto © Centroaletti, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
A Companhia de Jesus reconheceu, num comunicado datado do último dia 2, mas dado a conhecer apenas esta segunda-feira, 5, que o padre Marko Ivan Rupnik, jesuíta e artista de renome mundial, se encontra proibido de exercer o ministério presbiteral em várias das suas dimensões.
O motivo tem que ver com uma queixa apresentada em 2021 no Dicastério para a Doutrina da Fé (DDF), do Vaticano, a qual se relaciona com abusos e violência sobre religiosas, ainda que a matéria não seja explicitamente referida no comunicado dos Jesuítas – o que se diz é que os factos a que se referem as sanções “não envolveram menores”.
No comunicado agora difundido pela Casa Interprovincial Romana da Companhia de Jesus, e que foi enviado ao 7MARGENS (mas não disponibilizado em nenhuma página dos jesuítas e apenas reproduzido num blog italiano), refere-se que as conclusões da investigação sobre as denúncias acerca do padre Rupnik, realizada por um instrutor externo à Companhia, foram enviadas ao DDF. Este Dicastério, por comunicação de início de outubro último à Companhia, decidiu pelo encerramento do caso, por terem prescrito os factos em questão.
Soube-se agora que, ao mesmo tempo que decorreu a investigação, os responsáveis pela Companhia impuseram a Marko Rupnik a proibição de confessar, bem como de exercer direção espiritual e acompanhamento de exercícios espirituais. Ficou ainda proibido de exercer atividades públicas sem a autorização do seu superior local.
O esclarecimento adianta também um facto relevante: “Estas medidas continuam ainda hoje em vigor, como medidas administrativas, mesmo depois da resposta do Dicastério para a Doutrina da Fé”.

Quem é, afinal, o presbítero a quem se referem estas informações? Para os menos atentos ou familiarizados com os ambientes católicos, o padre Rupnik tornou-se mundialmente conhecido pelos seus mosaicos dourados de grandes dimensões, em terracota dourada. Eles figuram hoje em locais tão diversos como a emblemática capela Redemptoris Mater, no Palácio Apostólico no Vaticano, encomendada pelo Papa João Paulo II, a catedral de Almudena, em Madrid, a recém-decorada fachada da Basílica de Aparecida, no Brasil, e, no caso português, é também dele o painel monumental que está por detrás do altar-mor, na Igreja da Santíssima Trindade, em Fátima.
Foi ainda autor do logotipo do Ano da Misericórdia (2015/2016) e dos mosaicos da gruta de Santo Inácio, em Manresa, na Catalunha, cuja inauguração, em 31 de julho, com a presença do superior-geral da Companhia de Jesus, marcou também a abertura dos 400 anos sobre a canonização do fundador dos Jesuítas.
Mas Marko Rupnik é também um conhecido teólogo e autor de dezenas de livros sobre arte, espiritualidade e teologia, e muito solicitado para exercícios inacianos, bem como conferências e palestras, um pouco por todo o mundo. O último sinal de reconhecimento aconteceu na última semana, quando a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (Brasil) lhe atribuiu um doutoramento honoris causa, no âmbito do qual fez uma conferência sobre o tema “Educar pela beleza”.
É, pois, com comoção e perplexidade que muitos setores que aprenderam a admirar e, mesmo, a seguir este jesuíta, veem a circulação de notícias que apontam para práticas abusivas sobre mulheres. Ainda que o Vaticano, ao que tudo indica, estivesse há muito tempo a par deste caso, deixou criar a ideia de que se tratava de um intocável. O próprio Papa Francisco recebeu o padre Rupnik em audiência privada, já em 2022.
Entretanto, lendo as notícias que começaram por ser apenas de dois sites italianos e que desde domingo e, sobretudo, nesta segunda-feira, cresceram exponencialmente um pouco por todo o mundo, o comunicado da Companhia de Jesus está a servir para dois fins completamente diferentes: para mostrar que a Cúria investigou e atuou, tal como a Companhia de Jesus e, em sentido inverso, para pôr em relevo contradições e graves lacunas que a informação veiculada encerra.
O que, por omissão, chama mais a atenção na “Declaração” dos Jesuítas de Roma é a ausência de referência às vítimas. Isso mesmo foi sublinhado ao 7MARGENS por uma fonte próxima dessas vítimas: “Os crimes do padre Marko prescreveram. E os sofrimentos e traumas das suas vítimas, também prescreveram? Que respeito têm o Dicastério [da Doutrina da Fé] e a Companhia de Jesus pelas dores dos que sofrem, para não encontrarmos uma palavra para nós no comunicado?”
Outro ponto do comunicado que é questionado diz respeito à prescrição dos atos denunciados. O jornal italiano Il Messaggero desta segunda-feira, 5, cita uma mulher de nome (fictício) Vera que refere nunca ter sido abusada, mas ter estado, ao longo dos anos, perto de um bom número de casos de religiosos e ex-religiosos que denunciaram Rupnik por abuso de poder e abuso sexual.
O que ela conta é que já em 1998, quando os atos em questão, que ela conhecia, ainda não tinham prescrito, foi falar sobre o assunto com o padre Francisco J. Egaña, então delegado para as casas internacionais da Companhia de Jesus, em Roma. “Ele foi muito gentil e ouviu-me com atenção, mas nada aconteceu, depois daquela reunião”, lamenta Vera. E reflete deste modo sobre a experiência vivida: “A minha dor foi grande, juntamente com a consciência de que tinha feito tudo o que estava ao meu alcance (…) Como em tantos outros casos, a verdade sobre os abusos na Igreja dificilmente encontra ouvidos prontos para ouvir e corações abertos para encontrar soluções capazes de evitar danos maiores, trazer alívio e cura às almas feridas e orientar aqueles que, por motivos diversos, têm sido causa de tanto sofrimento, rumo ao equilíbrio psico-físico-espiritual”.
Enfim, o comunicado da Companhia de Jesus levanta ainda uma terceira objeção, que respeita às proibições impostas há algum tempo –provavelmente ainda em 2021. Sendo louvável a decisão dos responsáveis jesuítas, a verdade é que são múltiplos os sinais de que o visado continuou tranquilamente a fazer a sua vida, em Itália e pelo mundo, com catequeses, homilias, retiros… E há mesmo eventos já anunciados na internet para os próximos meses. Por outras palavras: Marko Rupnik dá a impressão de ser pouco afetado pelas penas que lhe foram atribuídas. Um dos sites que divulgou o caso no último fim de semana aponta vários exemplos deste comportamento.
Resta anotar que a hierarquia católica parece jogar contra a própria instituição, quando procura encobrir este tipo de situações, incluindo nos casos em que toma medidas. Na verdade, muitas pessoas jamais tinham ouvido falar deste padre, teólogo e artista. Não foi por nenhum destes estatutos, no entanto, que ele passou a ser conhecido.