
Pormenor de mosaico do padre Marko Ivn Rupnik. Foto © Sandro Rossi, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons
Adensam-se as perguntas em torno do caso dos abusos atribuídos ao padre e artista jesuíta Marko Rupnik. O superior geral da Companhia de Jesus, padre Arturo Sosa, reconheceu esta quinta-feira que o mundialmente conhecido especialista de arte cristã já tinha sido condenado em 2020 pelo Dicastério da Doutrina da Fé (DDF) por um dos delitos mais graves do direito canónico, o de absolvição de um(a) cúmplice em confissão.
Recorde-se que, até agora, ainda que deparando sempre com o silêncio do Dicastério, apenas se sabia, por comunicado da Companhia de Jesus do passado dia 5, que o DDF tinha decidido arquivar por prescrição factos de uma outra denúncia de abusos sobre religiosas, nos inícios dos anos 1990.
As afirmações de Arturo Sosa foram proferidas na sede da Cúria Geral, no quadro de um encontro de fim de ano com jornalistas. Numa intervenção panorâmica inicial sobre os jesuítas perante a atualidade do mundo e da Igreja Católica, o superior geral dedicou quase um terço do seu tempo à questão dos abusos, em particular referindo os esforços da Companhia por criar, em todas as 69 regiões do mundo em que está presente “uma cultura de salvaguarda das crianças, jovens e pessoas vulneráveis”. Neste quadro, dos dez pontos que o Geral destacou, o mais extenso foi significativamente dedicado ao caso do padre Marko Rupnik, que considerou um “exemplo do muito que ainda temos que aprender, principalmente sobre o sofrimento das pessoas”.
“Este caso, como outros, enche-nos de espanto e dor, leva-nos a compreender e sintonizar com o sofrimento das pessoas envolvidas”, afirmou, “ao mesmo tempo que se iniciam de forma escrupulosa os procedimentos exigidos pelo direito civil ou canónico e se comunica sem ocultar os factos”, abrindo “caminhos para a cura das feridas produzidas”.
Casos como o de Marko Rupnik, que incidem sobre matéria do “sexto mandamento” segundo explicou, são da exclusiva competência do Dicastério. Depois que o Dicastério estudou o dossiê e comunicou que as denúncias recebidas estavam legalmente prescritas, quisemos ir além do plano legal, com vista a cuidar dos sofrimentos causados e tentar curar as feridas abertas”.
Entre as perguntas que foram levantadas sobre a única fonte oficial que tem dado alguma informação, ou seja, os Jesuítas, destaca-se a pergunta sobre o motivo para manter vigentes as “medidas cautelares” limitativas do exercício do ministério do padre Rupnik, apesar de o processo da denúncia que as motivaram ter sido encerrado por prescrição dos factos, segundo a ordem religiosa.
É verdade que continua sem se conhecer o pronunciamento do Dicastério para a Vida Consagrada, relativo ao resultado da inquirição feita pelo bispo auxiliar de Roma, o jesuíta Daniele Libanori, ao instituto Comunidade Loyola, do qual procedem várias das denúncias contra Rupnik. Esse pronunciamento foi entregue em meados deste ano.

Ainda há várias perguntas sem resposta sobre o caso de Marko Ivan Rupnik. Foto © samstudij, CC BY-SA 3.0, via Wikimedia Commons
Eis que surge agora a revelação de que havia, afinal, um outro caso, anterior ao que foi arquivado. Ela surgiu no encontro do geral dos jesuítas desta quinta-feira, 14, em resposta a perguntas da jornalista Nicole Winfiled.
O caso remonta a 2015 e foi denunciado em 2019 ao Dicastério para a Doutrina da Fé, que decidiu, já em 2020, condenar e excomungar o presbítero por um dos pecados mais graves previstos na lei canónica, que implica a excomunhão latae sententiae (isto é, automática, que decorre automaticamente dos factos). O crime corresponde à absolvição por parte do clérigo de uma mulher de quem ele é cúmplice, por ter tido relações sexuais com ela.
Segundo informações complementares divulgadas pela Associated Press, Arturo Sosa explicou, em resposta a uma pergunta da jornalista, que o padre Rupnik, pouco tempo depois da condenação, reconheceu o delito e manifestou formalmente arrependimento. O Dicastério (na altura, ainda designado Congregação), suspendeu a pena de excomunhão.
O padre abusador terá sofrido algumas penalizações por parte da Companhia de Jesus, as quais não o impediram, no entanto, de continuar a celebrar, a publicar e a desenvolver os seus projetos artísticos. De tal forma que, segundo a reportagem da Associated Press, nem os colaboradores do Centro Aletti nem os confrades sabiam do que se tinha passado.
São várias as perguntas que continuam de pé, nomeadamente sobre como decorreu todo o processo subsequente à condenação de 2020; porque é que isso não terá sido levado em conta, no processo de 2021, para cancelar o efeito da prescrição dos abusos dos anos 90; porque é que o inquérito à Comunidade Loyola está feito e entregue vai para meio ano e não há decisões; e, naturalmente, porque é que a Congregação da Doutrina da Fé se tem mantido em silêncio, apesar dos efeitos devastadores deste caso.
Um aspeto que tem sido levantado diz respeito ao papel do próprio Papa que recebeu em audiência privada o padre Rupnik, no princípio de janeiro deste ano. Sobre este ponto, a versão digital da revista Vida Nueva citava, esta sexta-feira, fontes do Vaticano que garantiam que, “até hoje Francisco não teria tido acesso ao processo Rupnik”.
Por isso ter-lhe-ia “sido impossível pronunciar-se sobre as medidas preventivas ou sanções propostas tanto pela Doutrina da Fé quanto pelos próprios jesuítas”. “O Santo Padre não conhece os detalhes das denúncias”, dizem fontes vaticanas da revista, que insistem em negar uma intervenção do pontífice argentino”, a fim de “permitir que investigadores e juízes atuem livremente”.