
Marko Rupnik, padre jesuíta, está proibido de exercer qualquer tipo de atividade ministerial e sacramental pública, exercer atividade artística pública e ausentar-se da região de Roma sem autorização. Foto © Centroaletti, via Wikimedia Commons.
Há três razões pelas quais ainda não se vê muita transparência na Igreja em relação aos abusos sexuais. “Uma delas é que não se quer apontar o dedo para a própria instituição. Quando alguém se apega à imagem e quer preservar uma imagem e uma reputação supostamente atraentes, não quer admitir erros”.
A afirmação é do padre e psicólogo alemão Hans Zöllner, S.J., que é um perito do Vaticano em questões de abusos, integrando a Comissão Internacional sobre Abusos de Menores. As suas palavras constam de declarações prestadas ao site católico OSV News, em que teceu algumas reflexões sobre o caso do padre e artista Marko Rupnik, acusado de sucessivos casos de violentação e abuso de poder sobre religiosas.
Nas outras razões que ajudam a perceber a pouca transparência da Igreja na forma de lidar com este fenómeno, Zöllner aponta a incapacidade dos responsáveis eclesiais de reconhecerem que cometeram erros. Alude ainda ao que chama “projeção da própria perfeição”, explicando deste modo o significado: “Jesus não nos pede para sermos perfeitos no sentido de não termos defeitos, quando fala sobre a perfeição com que deveríamos viver. Ele fala sobre a perfeição de Deus, o Pai misericordioso e amoroso”.
Na cimeira sobre os abusos, que o Papa convocou para o Vaticano no outono de 2019, emergiram três pilares inspiradores da ação da Igreja: prestação de contas, responsabilidade e transparência. O terceiro, faz notar o padre e psicólogo jesuíta, é visivelmente insuficiente em casos que vêm a público primeiro nos média e só depois através da instituição.
O exemplo que Zöllner dá é o de Marko Rupnik, que foi tratado no maior segredo no interior da Companhia de Jesus e na Congregação para a Doutrina da fé, entre 2020 e 2022, e só se tornou público – e “a conta-gotas” – quando alguns blogues italianos o divulgaram, no início de dezembro de 2022.
Questionado sobre as acusações de falta de transparência da Companhia no modo de lidar com o caso Rupnik, o académico respondeu que “A Companhia é uma realidade heterogénea como toda a Igreja. Não somos melhores nisso. E isso está provado agora, aos olhos de todos, novamente.”
“Somos todos heterogéneos. Somos todos muito limitados. Todos temos os nossos defeitos. E a Companhia de Jesus também tem muitos”, acrescentou ele.
Sem sinais de arrependimento
Depois de sucessivas revelações sobre os abusos de Rupnik, os responsáveis jesuítas abriram uma linha de escuta e, em 21 de fevereiro deste ano, anunciaram um procedimento interno que pode vir a determinar novas restrições contra esse padre. Atualmente, está proibido de exercer qualquer tipo de atividade ministerial e sacramental pública, exercer atividade artística pública e ausentar-se da região de Roma sem autorização.
Contudo, o padre comprovadamente abusador não tem mostrado sinais de arrependimento. Além de, até recentemente, ter continuado a viajar pelo mundo e a fazer praticamente aos olhos de toda a gente tudo aquilo que lhe estava vedado, não quis responder ao grupo jesuíta de escuta dos novos casos de pessoas alegadamente violentadas por ele.
Nos últimos dias, alguns meios de comunicação italianos divulgaram mesmo imagens em que ele aparece a concelebrar numa missa de aniversário do Centro artístico Aletti, por ele fundado e ao qual pertence, que terá ocorrido numa basílica situada a poucos metros de Santa Maria Maior, em Roma.
O padre Johan Verschueren, superior de Marko Rupnik, comentou para a agência ACI Prensa, que ele está autorizado a “concelebrar missas no contexto do Centro Aletti”, por se considerar que se trata do “seu círculo íntimo, a sua comunidade”. No entanto a cerimónia, ainda que motivada pelo aniversário do Centro Aletti, “foi pública e numa basílica de Roma”. Perante isso, o mesmo responsável da Companhia comentou à agência que ainda não pôde comprovar a notícia e que prefere “não fazer julgamentos sobre coisas das quais não tem certeza absoluta”.
Possível abuso de menor
A somar a isto, de entre os novos casos de abusos que surgiram entre dezembro e fevereiro, um deles ter-se-á verificado quando a pessoa em causa era menor de 18 anos.
Se se vier a confirmar que se tratou, de facto, de uma pessoa de menoridade, “seguindo a lei canónica, acho que ele teria de deixar de ser padre”, disse Hans Zollner ao OSV News. Porém, deixar de exercer o ministério presbiteral poderia não implicar abandonar a Companhia de Jesus, já que a simples expulsão deixá-lo-ia livre para continuar a violentar pessoas, enquanto que, ficando sob a alçada da congregação, o controlo de movimentos seria mais efetivo. Como reconhece o padre Zöllner, “muitos não entendem e não concordam” com este tipo de solução.
O perito foi ainda questionado sobre se o abuso de mulheres adultas não tem sido negligenciado na Igreja. Sobre este aspeto, o padre reconheceu que “a questão do abuso de poder veio à tona apenas nos últimos quatro ou cinco anos como o principal ingrediente do abuso sexual. Esse não era o nosso entendimento há seis anos”, disse.
“Esse tema traz cada vez mais aspetos que de alguma forma pressentíamos, mas muito poucas pessoas foram capazes de expressá-los e descrevê-los como agora”, assinalou, acrescentando que “também é uma linha de aprendizagem muito íngreme em relação a quais são os principais elementos de disfuncionalidade, os componentes do abuso e as suas principais causas”.