
“O respeito pelo Papa sentia-se naquele que os jovens sentiam entre si, uns pelos outros, mesmo quando discordavam.” Foto: Pormenor do cartaz do documentário Amén Francisco Responde, Disney+
Dez jovens de várias nações juntaram-se para fazer perguntas ao Papa Francisco e partilhar as suas experiências sem filtros num documentário que saiu a 5 de Abril no serviço de streaming Disney+. O conteúdo foi decidido pelas questões dos jovens, mesmo se se nota que a produção escolheu pessoas com experiências em questões “quentes” como o aborto, os abusos sexuais, os LGBT, a pornografia, os refugiados, entre outras. Porém, o que me intrigou foi a comunicação não-verbal e aquilo que não se disse, mas espelhado nas caras dos jovens e do Papa.
A comunicação não-verbal começa com a manhã do Papa antes de se encontrar com os jovens. Sentado, sozinho, o Papa aguarda pelo pequeno-almoço. A impressão que me deixou foi de silêncio e um misto incerto entre solidão e solitude. Oferece um bolo ao Bruno, que parece ser o seu assistente, ou faz um comentário sobre o café, mas em vez de vermos alguém que se senta com ele, parece que as pessoas receiam fazê-lo, ou não faz parte do guião. Porém, o olhar de Francisco não revela tristeza, mas expectativa.
O respeito pelo Papa sentia-se naquele que os jovens sentiam entre si, uns pelos outros, mesmo quando discordavam. Francisco nunca franze o sobrolho como muitos de nós fazemos quando discordamos, ou alguns daqueles jovens diante da opinião diferente do outro ou até das palavras do Papa. Porém, o Papa Francisco escuta sempre e, por vezes, baixa a cabeça, como sinal de tristeza ou de ponderação. A comunicação não-verbal faz-se de expressões faciais, gestos, postura, o modo como nos distanciamos fisicamente, o tempo, as pausas, a nossa aparência e o toque.
As lágrimas vertem-se de sofrimentos vividos no passado, mas com efeitos ainda presentes, ou por emoção das escolhas feitas que vão contra a onda moral que a Igreja sempre propagou e muitas vezes prescreveu, mas pouco persuadiu. Lágrimas ainda pelo receio de perder a fé no meio de um mundo que pouco compreende a alegria que alguns jovens sentem pelas experiências de fé que fizeram e que hoje a sociedade condena por achar que somos moralistas, em vez de ver a genuinidade dos corações.
O olhar de Francisco varia da alegria à profunda tristeza. O testemunho daqueles jovens está impregnado de muitas dores que mantêm muitas feridas abertas na Igreja, mas cuja onda iniciada pelo Papa Francisco de sarar é grande, assim como a determinação em parar as hemorragias mentais e espirituais instaladas em muitos sectores da Igreja. O tom de voz de Francisco acolhe e oferece o que pensa com a sua experiência de vida, mais do que qualquer raciocínio teologicamente elaborado. Diante daquela jovem que produzia conteúdos pornográficos, o olhar de Francisco aproxima-se mais da misericórdia do que de qualquer juízo e na voz nota-se que procura oferecer uma visão ainda pouco preparada para responder com lógica e com amor.
A verdade é que à sua volta estavam muitas facetas da cultura vivida por muitos jovens no tempo presente para as quais a nossa face tem ainda dificuldade em expressar uma comunicação não-verbal que ofereça a intenção de acolher e fazermos juntos um percurso de compreensão recíproca.
Qualquer pessoa que pense ainda naquilo que a “Santa Madre Igreja diz”, expressão injustamente gasta com o intuito de evitar a necessidade de enfrentar as questões difíceis, terá muita dificuldade em ver e ouvir a comunicação verbal deste documentário. O mais natural será tecer grandes críticas à escolha dos jovens, e até a algumas respostas do Papa Francisco. A impressão que tenho (possivelmente errada) é a da incapacidade de um número não desprezável de católicos se expor às inquietações de jovens como estes, e reconhecerem serem anacrónicos na visão teológico-moral que têm como o Papa assume ser relativamente à tecnologia. O Papa pode não fazer a mínima ideia sobre a existência de apps como o Tinder (o leitor sabe o que é?), mas a (in)genuidade de Francisco está no valor do acolhimento universal das sua comunicação não-verbal que tanto caracterizava Jesus nos Evangelhos.
Vivemos numa cacofonia mundial pelo excesso de informação que circula entre nós. Em momentos de festa como a Páscoa, recebemos inúmeras mensagens (algumas iguais) a pensar que são a única a cair no nosso WhatsApp. Sem algo escrito que seja mais personalizado, o efeito deste modo de comunicar acaba por retirar todo o significado que pretende suscitar em nós, ao ponto de pensarmos – “Ok. Já percebi. Já chega.” As mensagens têm um décimo da potência transformativa que tem a comunicação não-verbal presencial. Nesse sentido, a mensagem principal da comunicação não-verbal entre o Papa Francisco e aqueles dez jovens que retiro do documentário é a do acolhimento sem fronteiras que ultrapassa quaisquer barreiras ideológicas, e vai muito além das trocas de informação, mostrando o valor de nos centrarmos no amor sincero e profundo que não passa.
Miguel Panão é professor no Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Para acompanhar o que escreve pode subscrever a Newsletter Escritos aqui. Contacto: miguel@miguelpanao.com