
O padre James Martin com o Papa, em Setembro de 2019: Francisco elogia o “trabalho pastoral” de um padre com a comunidade LGBT. Foto reproduzida da página de James Martin na rede Facebook
O Papa Francisco agradeceu, com uma carta escrita pelo seu punho, o ministério do padre jesuíta James Martin, dos EUA, junto da comunidade LGBTI. “Quero agradecer-te pelo teu zelo pastoral e pela tua capacidade de estar perto das pessoas, com essa proximidade que Jesus tinha e que reflecte a proximidade de Deus”, escreve o Papa, que trata Martin por “querido irmão”. É a primeira vez que um Papa abençoa explicitamente este tipo de trabalho pastoral de algum padre.
A carta, redigida em espanhol, foi escrita por ocasião de um seminário em vídeo, que decorreu sábado passado, e que debateu o cuidado pastoral da comunidade cristã de homossexuais, lésbicas e transgéneros. A iniciativa teve a participação de mil pessoas, de acordo com a revista America, dos jesuítas, que divulgou o seu conteúdo.
Depois de se referir à última correspondência enviada por James Martin, e agradecer o seu “zelo pastoral”, o Papa acrescenta: “O nosso Pai Celestial aproxima-se com amor de cada um dos seus filhos, de cada um e de todos. O seu coração é abrir-se a cada um e a todos. Ele é Pai.”
“O ‘estilo’ de Deus tem três aspectos: a proximidade, a compaixão e a ternura. É assim que Ele se aproxima de cada um de nós”, escreve ainda Francisco, para comparar esse estilo com a missão de Martin: “Pensando no teu trabalho pastoral, vejo que procuras continuamente imitar este estilo de Deus. És um padre para todos.”
A carta termina com o Papa a escrever: “Rezo por ti para que continues assim, próximo, compassivo e com grande ternura. Rezo pelos teus fiéis, os teus ‘paroquianos’, todos aqueles que o Senhor te entrega para que possas cuidar deles, protegê-los, fazê-los crescer no amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Uma forma de encorajamento para outras pessoas

Manuscrito da carta escrita pelo Papa
Não sendo a primeira vez que o Papa usa expressões semelhantes – na exortação Amoris Laetitia, sobre a família, também já o fazia –, a novidade aqui é que o Papa fala deste trabalho pastoral de um padre. A America interpreta a carta não só como uma forma de encorajar o seu destinatário, mas também de o fazer com outras pessoas. O Papa escreveu dia 21, depois de Martin lhe ter comunicado a realização do seminário de sábado passado.
Muitas vezes, acrescenta a revista, o Papa telefona a pessoas, e vários desses telefonemas acabam por ser revelados; mas é mais raro saber-se das suas mensagens ou cartas escritas – normalmente em espanhol e em resposta a cartas que lhe enviaram. Por vezes, o Papa pede explicitamente que o conteúdo permaneça confidencial, noutras deixa ao destinatário a decisão sobre a sua divulgação. Neste caso, diz a revista, James Martin consultou várias pessoas na Casa de Santa Marta, em Roma, e decidiu que poderia divulgar o seu conteúdo.
O primeiro parágrafo da carta é mais pessoal e até humorístico, referindo-se a um sobrinho do padre Martin que se chama Francisco.
Esta não é a primeira vez que o Papa dá um sinal visível do seu apoio ao ministério de James Martin. Em 30 de Setembro de 2019, o padre jesuíta foi recebido por Francisco no Vaticano, conforme o 7MARGENS noticiou na ocasião.
A carta do Papa torna-se relevante também – e sobretudo? – pelo contexto em que surge, pois entra de alguma forma em contradição com mensagens recentes oriundas do Vaticano. No final de Fevereiro, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou um Responsum que fechava a porta à possibilidade de bênção de casais homossexuais, porque “a Igreja não abençoa nem pode abençoar o pecado”.
Depois de o Papa ter dado a entender que não estava de acordo com o texto – apesar de este aparecer como tendo sido por ele aprovado –, muitos padres alemães organizaram, a 10 de Maio, uma espécie de dia de bênçãos de casais do mesmo sexo, em muitas igrejas da Alemanha. Mas não houve qualquer comentário do Vaticano ao facto, como recorda o Religión Digital.
Dias depois, Juan Carlos Cruz, homossexual assumido e uma das vítimas do antigo padre Karadima, do Chile, foi nomeado pelo Papa como membro da comissão anti-pedofilia do Vaticano.
Na semana passada, entretanto, o arcebispo Paul Richard Gallagher, responsável do Vaticano para as Relações com os Estados, enviou uma “nota formal” de protesto contra a próxima aprovação da lei contra a Homofobia e a Transfobia em Itália, considerando que ela violaria a Concordata” assinada com Mussolini em 1929, e que regula as relações entre a Igreja e o Estado no país transalpino.
Na nota, o responsável do Vaticano diz que a lei italiana contra a homofobia e a transfobia “poderia violar a Concordata” – uma invocação que acontece pela primeira vez.
O primeiro-ministro, o católico Mario Draghi, como recorda também o Religión Digital, respondeu com contundência, lembrando que a Itália é um “Estado secular, não confessional”. O secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, afirmou, numa tentativa de apaziguar os ânimos, que não se tratava de o Vaticano se intrometer nos assuntos italianos, mas sim “clarificar” as dificuldades que alguns aspectos da lei poderiam ter nos centros de educação católica.