
Ximenes Belo, antigo bispo de Díli, foi acusado de abusos sexuais que terão sido praticados na década de 90. Foto: Direitos reservados
Ximenes Belo, bispo emérito de Timor-Leste, foi sancionado secretamente devido a denúncias de abusos de dois menores, de que o Vaticano teve conhecimento, que terão sido praticados na década de 90 do século passado. Quem o afirma é o Papa Francisco, numa entrevista à Associated Press, cujo teor tem vindo a ser divulgado nos últimos dias.
Segundo o Papa, as denúncias chegaram a Roma em 2019 e o Vaticano decidiu aplicar sanções ao Nobel da Paz no ano seguinte. Mas quando interrogado sobre como explicar uma exoneração do cargo autorizada pelo Papa João Paulo II em 2002, bastante antes do tempo regulamentar, passando Ximenes Belo, tal como outros antes dele, a reformar-se tranquilamente evitando ter de responder pelos atos cometidos, Francisco respondeu:
“Noutros tempos era assim que se lidava com estas situações, não havia a sensibilidade que hoje existe”. “Quando, em setembro passado, surgiram [na revista holandesa De Groene Amsterdammer] revelações sobre o bispo de Timor-Leste, eu disse: ‘sim, deixem-no ficar às claras.’ Não o vou encobrir”.
Num momento particularmente interessante da entrevista, o Papa Francisco como que convoca a jornalista da AP para testemunha de que ele próprio mudou a sua atitude e comportamento, nomeadamente em 2018, com o caso do encobrimento dos bispos chilenos.
Esse “momento de conversão” passou-se depois de o Papa ter desacreditado publicamente as vítimas do padre predador mais notório do Chile. Na viagem de regresso, foram vários os jornalistas que o interpelaram, incluindo Nicole Winfield.
“Eu não conseguia acreditar. Foi você que me disse no avião: ‘Não, não é assim, padre’”, disse Francisco.
Fazendo um gesto que indicava que sua cabeça tinha explodido, o Papa continuou: “Foi quando a bomba explodiu, quando vi a corrupção de muitos bispos nisso”.
“Você foi testemunha de que eu mesmo tive que acordar para casos que estavam todos encobertos, não foi?”, disse ele.
E a jornalista conclui:
“Francisco reconheceu que a Igreja Católica ainda tem um longo caminho a percorrer para lidar com o problema, dizendo que é necessária mais transparência e que os líderes da Igreja devem falar mais sobre o abuso de ‘adultos vulneráveis’”.
Da conversa com Francisco, a jornalista refere que o Papa lhe transmitiu que tem, ultimamente, estado a lidar com casos de “adultos vulneráveis” que foram vítimas de abuso sexual e que o código de direito canónico do Vaticano considera menores, em processos internos.
Na linha de medidas tomadas pelo Vaticano em 2019, no sentido de ampliar o sentido de “vulnerabilidade”, Francisco explicou que há várias situações em que um adulto pode ser considerado vulnerável.
“Pode-se ser vulnerável por doença, pode-se ser vulnerável por incapacidades psicológicas e pode-se ser vulnerável devido à dependência”, disse ele. “Às vezes há sedução. Uma personalidade que seduz, que manipula a consciência de outrem cria uma relação de vulnerabilidade, e aí essa pessoa fica presa”, disse ainda Francisco, encostando os punhos, como se estivesse algemado.